O México em seu dia de domingo


Cerca de 80 milhões de eleitores mexicanos decidirão quem será o próximo presidente do país que tem a segunda maior população e a segunda maior economia da América Latina. 

Enfim, o dia chegou: uns 80 milhões de eleitores mexicanos decidirão, neste domingo, quem será o próximo presidente do país que tem a segunda maior população e a segunda maior economia da América Latina. 

Nas pesquisas eleitorais dos últimos dois meses os números jamais coincidiram. A única coincidência foi a subida veloz do candidato da esquerda, Andrés Manoel López Obrador, do PRD, e o desmilingüimento de Josefina Vázquez Mota, do mesmo PAN do atual presidente Felipe Calderón, o partido que em 2000 elegeu Vicente Fox e terminou com sete décadas de domínio absoluto do PRI, o Partido Revolucionário Institucional. O resto foi pura divergência.

Na liderança das pesquisas esteve, o tempo todo, Enrique Peña Nieto, do PRI, um político jovem, provinciano, de uma ignorância obtusa e com uma aparência que corresponde exatamente – coisa rara na política – ao que é: uma figura meticulosamente construída pelos especialistas em marketing eleitoral. Uma forma atraente, funcional, bem treinada e desprovida de qualquer vestígio de conteúdo. Um mistério, com todos os indícios de ser um desastre.

O escritor Carlos Fuentes, que jamais poderia ser taxado de radical de esquerda, dizia, ao declarar seu voto em López Obrador, que a última coisa que desejava para seu país era ver Peña Nieto presidente. Fuentes foi-se embora de nós no dia 15 de maio, quando seu candidato subia estrondosamente nas pesquisas. Foi-se embora, quem sabe, com essa esperança. Mas tudo indica que acontecerá exatamente aquilo que ele dizia ser a última coisa que desejava para o seu país.

A esta altura, pouco importa ressaltar o vazio ambulante que é Peña Nieto. Para os que mantiveram até a última hora a esperança de que López Obrador virasse o jogo, não será preciso lembrar como a candidatura de Peña Nieto foi alicerçada, reforçada e inflada pelos grandes conglomerados de comunicação de seu país, numa aula magistral de manipulação da informação. 

Neste sábado de incertezas, à espera de um domingo de decisões, talvez seja conveniente pensar no país que será entregue ao sucessor de Felipe Calderón. 

A economia vai bem. As relações com os Estados Unidos, depois de décadas conturbadas, entraram num ritmo mais suave. Claro que os problemas continuam exatamente os mesmos de sempre, principalmente para os milhões de imigrantes mexicanos – uma boa parte deles vivendo na ilegalidade – que vivem do lado de lá da fronteira. Mas o alinhamento entre México e Washington poucas vezes foi tão rigoroso como agora. 
As graves diferenças sociais entre os mexicanos continuam no abismo de sempre. Nos discursos, avançou-se muito. Na vida real, muito pouco. 

O país que será entregue ao sucessor de Felipe Calderón viu sua economia crescer de maneira equilibrada ao longo dos últimos anos, enquanto se consolidava sua influência sobre os vizinhos da América Central e se desinflava consideravelmente no resto do continente. 

Os governos progressistas da América do Sul sempre tiveram no México, desde a chegada de Fox, e principalmente com Calderón, um bastião de resistência aos projetos de integração continental. A linha defendida pelo México, em aliança com a Colômbia primeiro, e agora com o Chile de Sebastián Piñera, foi a de promover acordos isolados, criando pequenas reproduções do que seria a ALCA (Aliança de Livre Comércio das Américas) tão ansiosamente aspirada por Washington e tão contundentemente fulminada por Brasil e Argentina. 

Seja quem for que saia das urnas como presidente, poucas mudanças surgirão na política econômica da segunda economia latino-americana. Tanto assim, que a sacrossanta entidade chamada ‘mercado’ parecia tranquila nas vésperas das eleições. 

O mercado sabe que o espaço de ação e as margens de manobra que López Obrador terá, caso ganhe, são de uma estreiteza concreta. E sabe que Peña Nieto é um candidato desenhado sob medida justamente para que nada mude. 

Com ele, a receita da prudência e da estabilidade estará assegurada. A questão social continuará sendo enaltecida em discursos bem escritos, e esquecida na hora do vamos ver. Será, enfim, o receituário de sempre, com menções inevitáveis e vãs à necessidade de buscar mais crescimento, mais empregos, mais produtividade. 

Os monopólios e oligopólios manterão suas cadeiras cativas. E milhões de mexicanos continuarão vivendo na mais miserável das misérias e na mais injusta das injustiças.

Há dado, porém, que se impõe, pela urgência: a violência. O México vive uma espiral de barbárie que ninguém sabe onde vai parar. E, pior, ninguém parece saber como parar. Uma estranha guerra civil, entre traficantes. Um país dominado por uma guerra que ninguém sabe ao certo de quem é.

Desde a chegada de Felipe Calderón à presidência, e sua nefasta decisão de declarar guerra aberta ao narcotráfico, o número de mexicanos mortos nas batalhas entre os grandes cartéis de drogas se aproxima a 60 mil. A militarização do combate ao tráfico de drogas provocou um problema que escapou do controle: os cartéis de transformaram em exércitos mais eficazes que o próprio Exército nacional. 

O México se manteve firme na posição de maior provedor de drogas do maior mercado mundial, os Estados Unidos. O fluxo de drogas, e o de dinheiro, permanece inalterado. Os norte-americanos continuam entrando em cena com suas narinas. Os mexicanos, com os mortos.

Esse descalabro é, hoje, o cerne da vida mexicana. Há uma nuvem permanente de imagens macabras – decapitados dependurados em postes e pontes, decapitados em automóveis abandonados, corpos queimados atirados em praças, parques, esquinas –, pairando sobre o cotidiano de todos e de cada um dos habitantes do país. 

E é debaixo dessa nuvem que o novo presidente mexicano irá enfrentar o dia seguinte ao da vitória. 

Ele herdará um país cada vez mais atado aos desígnios de Washington. Um México que, graças a esse atestado de boa conduta, atrai capitais, gera rendimentos, se tornou um país bom para os investidores.

Resta saber quando, e como, o México deixará de estar mergulhado em sangue e passará a ser um país bom para os mexicanos.

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