"Eu não gosto do terço/ Eu não gosto do berço/ De Jesus de Belém/ Eu não gosto do papa/ Eu não creio na graça/ Do milagre de Deus/ Eu não gosto da igreja/ Eu não entro na igreja/ Não tenho religião".

"Cabeça Dinossauro" definitivo

Luciano Buarque de Holanda no jornal Valor


Em 1986, o Brasil ainda experimentava seu primeiro ano pós-ditadura. É verdade que a censura já vinha amolecendo ao longo daquela década, mas isso não preparava o público (e a mídia) para a pedrada que seria "Cabeça Dinossauro". Era o tipo do disco que só rodaria na vitrola se seus pais não estivessem em casa. O que eles pensariam de canções como "Porrada", "Polícia" ou "Igreja"? Os versos desta última, aliás, permanecem tão proibitivos quanto antes: "Eu não gosto do terço/ Eu não gosto do berço/ De Jesus de Belém/ Eu não gosto do papa/ Eu não creio na graça/ Do milagre de Deus/ Eu não gosto da igreja/ Eu não entro na igreja/ Não tenho religião".

Gravado na esteira da prisão de Arnaldo Antunes e Tony Bellotto (por porte de heroína), "Cabeça Dinossauro" dá início a um novo capítulo na história dos Titãs. A banda deixava para trás o pop inocente de "Sonífera Ilha" para assumir uma postura marginal, inconformista, tal como um som mais pesado, próximo do punk rock.

Na época, o gênero já existia no Brasil, mas os Titãs tocavam nas rádios, iam ao programa do Chacrinha e apareciam em trilhas de novelas globais. Suas contundentes mensagens não morriam no underground. Ao contrário, tinham um significativo impacto popular, social. "Cabeça" vendeu rapidamente 300 mil cópias, alcançando o status de platina pouco depois. No auge da febre, as rádios mais corajosas tocavam até "Bichos Escrotos" (com seu polêmico verso "vão se f..."), sob o risco de ser multadas.

"Cabeça Dinossauro" não é um álbum tipo exportação. Ou seja: não contém nenhum elemento exótico, tropical, próprio para seduzir os gringos. Em território nacional, entretanto, é um clássico obrigatório, sempre citado como um dos três álbuns fundamentais do rock oitentista. Os outros são "Dois" (Legião Urbana) e "Selvagem?" (Paralamas), curiosamente lançados naquele mesmo ano.

"Cabeça" agora volta em versão remasterizada, trazendo, além do repertório original, um disco extra com as demos que originaram o disco. Resgatadas de uma fita cassete guardada por Charles Gavin, as faixas revelam que os Titãs já sabiam muito bem o que queriam antes de entrar em estúdio sob o comando dos produtores Liminha e Pena Schmidt. Os arranjos são basicamente os mesmos ouvidos em suas versões finais, com algumas diferenças sutis. Por exemplo: a faixa-título é sitiada por ruídos de feedback; "Igreja" contém um trecho declamado, enquanto o solo de guitarra de "AA UU" aparece em versão bruta.
A grande novidade é a inédita "Vai pra Rua", um funk raivoso a cargo de Arnaldo Antunes, que acabou de fora para dar lugar a "Porrada". Decisão acertada: em termos de letra e arranjo, o acabamento de "Vai pra Rua" fica muito aquém das demais demos. O "feeling" é totalmente "Cabeça Dinossauro", no entanto - e os fãs vão adorar.
A reedição é parte dos projetos comemorativos que ocuparão os Titãs neste ano, quando a banda completa três décadas de atividade. Eles já estão na estrada tocando "Cabeça Dinossauro" na íntegra e, em breve, a formação original se reunirá para uma curta turnê. Nando Reis é o único ex-Titã que ainda não confirmou presença nos shows.

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