O Rosebud de Eike Baptista
O que leva um homem a não se limitar a ser apenas bilionário, mas pretender mudar o mundo com seu dinheiro? Qual a motivação por trás da megalomania de quem conquistou o pico mais alto do mundo, mas ambiciona a estratosfera?
No auge do reinado Eike, escrevi um artigo dizendo que seu grande inspirador havia sido o pai, Eliezer Baptista, o ex-ministro de Jango, criador da Companhia Vale do Rio Doce, do Projeto Carajás, um dos construtores do Brasil moderno. Aliás, o documentário sobre sua vida termina com um texto que escrevi sobre ele.
Poucos dias depois, recebi um e-mail agoniado de Eliezer, pedindo a retificação: tudo o que Eike fez, sua visão de futuro, seus planos, eram mérito exclusivo seu, não inspiração do pai. Retifiquei imediatamente, mas fiquei com a pulga atrás da orelha. A troco de quê a ansiedade de Eliezer? Qual a razão para Eike não ter orgulho de ser considerado um seguidor das ideias grandiosas do pai?
Eike era, então, o homem mais rico do país, um dos mais ricos do mundo. Porque aquela agonia de Eliezer, de reforçar o mérito do filho? Tinha sido devido à reação negativa de Eike, não tinha dúvida sobre isso, apesar de Eliezer jamais ter comentado isso.
Lembro-me de uma de suas primeiras tuitadas. Alguns seguidores estavam em dúvida se era ele mesmo. Elike resolveu mostrar a prova do pudim, recorrendo a mim. “O Nassif está aqui e poderá dizer: o que você lembra do nosso último encontro”.
Ele tinha vindo do Rio para explicar as implicações ambientais da sua mina de ferro em Mato Grosso, alvo de um artigo crítico meu. Juro que minha intenção não foi rebater seu deslumbramento quando respondi que me lembrava da sua roupa de couro preta. Mas foi o que me veio à cabeça na hora.
Nunca mais dirigiu um Twitter para mim.
Nos meses seguintes, parecia ter se transformado em um condutor dos povos, mandando mensagens pelo Twitter sobre empreendedorismo, sobre o país, liderando campanhas destinadas a mudar a cabeça dos jovens. Acreditava piamente que viera para transformar o país.
Cedeu a deslumbramentos grosseiros, como no carro que deu ao filho e colocou em exibição na sua sala de jantar. Adquirir e demolir o Hotel Glória, símbolo de uma elite restritiva dos anos 50, soou como um ato de revanche contra uma elite que cassou o pai e o manteve durante anos no ostracismo.
Esse sentimento misto de onipotência e revanche foi aguçado pelas grandes tacadas que dera até então, todas vitoriosas. Desenvolveu a mina, conseguiu vender uma participação bilionária para um grupo inglês. Com os recursos, fez novos investimentos, tirou executivos prestigiados da Petrobras, adquiriu poços petrolíferos em leilão, com tal segurança que parecia ter acesso aos segredos geológicos do país.
Todo o castelo de cartas se sustentava na certeza de que jorraria petróleo no poço adquirido. Não jorrou.
Agora, a aventura de Eike Baptista está prestes a terminar. No futuro, alguns o taxarão de picareta. Nunca foi. Tempos atrás deu uma entrevista na qual atribuiu toda sua garra e engenho à influência da mãe – de fato, uma senhora notável, erudita, disciplinada. Mas não podia ser maior que o pai.
O Rosebud de Eike era presença avassaladora do pai.
A entrevista, o e-mail de Eliezer deixaram claro para mim. Para superar o pai, não bastava se tornar o homem mais rico do Brasil, um dos mais ricos do mundo. Teria que se tornar um dos criadores da modernidade, como o próprio pai foi.
Criado no Rio de Janeiro dos anos 50 e 60, Eike cresceu em um ambiente na qual a medida de grandeza sempre foi o exercício do poder – poder político, das ideias, a capacidade de influenciar as grandes decisões e os rumos do país. Esse público desprezava os apenas ricos ou muito ricos, os deslumbrados do café-society.
Nesse Olimpo exclusivista imperavam os grandes articuladores políticos, os homens que influenciavam o país com suas ideias, grandes economistas, juristas, políticos e banqueiros, pessoas como Roberto Campos, Walther Moreira Salles, o misterioso Jorge Serpa, Rafael de Almeida Magalhães, José Luiz Bulhões Pedreira e, claro, o próprio Eliezer.
Ao dar sequencia à sua grande epopeia, Eike não ambicionava se tornar o homem mais rico do planeta. Sua ambição era entrar para esse clube dos construtores da nacionalidade.
Não conseguiu. Deixou de ser bilionário. Agora é um milionário, ainda muito rico. Mas nada compensará a frustração por não ter conseguido igualar-se ao pai na construção do país.
No fundo, Eike tinha o fogo sagrado dos grandes empreendedores, aqueles que conseguiram ser não apenas muito ricos, mas um ponto de corte na vida do país ou do mundo.
Não conseguiu.
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