A morte de Moritz Erhardt e o erro de Keynes

Por Ruth Margalit | Tradução Cristiana Martin

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Moritz Erhardt: em seu setor, são quase inevitáveis as jornadas de 80 horas semanais
Confiante na tecnologia e relações sociais humanizadas, economista inglês previu jornadas de 15 horas semanais. Não imaginava ferocidade atual do capitalismo

Ainda não está claro o que provocou a morte de Moritz Erhardt, um jovem de 21 anos, estagiário no Bank of America Merrill Lynch, em Londres no mês passado. Erhardt, um estudante alemão que havia terminado recentemente um semestre de intercâmbio na faculdade de negócios da University of Michigan, estava se aproximando do final de um estágio de verão de sete semanas no renomado banco quando desmaiou tomando banho em sua residência no leste de Londres. Relatórios indicaram que ele sofria de epilepsia e deve ter convulsionado. Esta é uma trágica história e o que a faz ainda mais atroz são as revelações da fatigante agenda que tinha Erhardt nas semanas que antecederam sua morte. (Convulsões epilépticas também podem ocorrer devido à exaustão)
Tentando conseguir a aprovação de seu chefe, Erhardt virou a madrugada trabalhando por oito vezes em duas semanas, dizem seus colegas. Nas noites que antecederam sua morte, ele trabalhou até às seis horas da manhã por três dias seguidos. Erhardt estava empregado na divisão de investimentos bancários, que é notável, mesmo para os parâmetros degoladores da City of London e de Wall Street, pelas horas de trabalho esperadas dos trabalhadores. “Eu vejo muitas pessoas andando por aí, com os olhos avermelhados e bebendo cafeína para poder passar por isso, mas elas não reclamam, pois a recompensa pode ser muito boa”, disse um estagiário ao The Independent. (Em uma declaração, o Bank of America Merrill Lynch disse que não poderia comentar tais afirmações sobre as horas que Erhardt vinha trabalhando e está aguardando laudos pós-morte)
Excesso de trabalho: esta possível causa para a morte de Erhardt pode ser relativamente rara, mas não é nenhuma novidade. Apenas alguns meses atrás, um rapaz de 24 anos, em Beijing, sofreu uma parada cardíaca após ter trabalhado excessivamente por um mês. No Japão existe até um termo para este fenômeno, e o ministério da Saúde fez um grande esforço para reduzir o número de casos. A morte de Erhardt mostra um curioso fenômeno, que destaca a natureza do trabalho e do lazer, e as razoáveis expectativas que as pessoas possuem de ambos.
Em 1930, John Maynard Keynes escreveu um ensaio chamado Economic Possibilities for Our Grandchildren (Possibilidades Econômicas para Nossos Netos), no qual ele previu que, com o avanço de tecnologias e o consequente aumento da produtividade, poderíamos trabalhar muito menos para satisfazer nossas necessidades. Em um século, estimou Keynes, ninguém deveria trabalhar mais do que quinze horas semanais. O argumento parece quase ingênuo, à medida em que 2030, a data estimada por Keynes, se aproxima.
As horas de trabalho no mundo desenvolvido de fato caíram drasticamente nas primeiras décadas do século XX, graças às inovações industriais (como o próprio Keynes testemunhou). O declínio diminuiu nas décadas seguintes, e desde os anos 1980, as horas de trabalho estagnaram na média de quarenta horas semanais. Hoje, nenhum lugar no mundo desenvolvido chega perto do que Keynes projetou como uma semana de trabalho de quinze horas. Mesmo assim, ao final do século XX, a média anual de horas trabalhadas era quase metade em relação ao século anterior, principalmente pela drástica mudança no início do século. Isto conduziu a um aumento nas atividades de lazer: prática de esportes, viagens, assistir televisão.
No entanto, os 10% no topo dos assalariados “não compartilharam muito do ganho no lazer”, escreveu Robert Fogel, um historiador econômico em 1994. Ao invés disso, estas pessoas bem pagas, notou ele, estavam trabalhando próximas aos padrões do século XIX: 3200 horas por ano, comparadas ao atual padrão de 1800 horas.
Isto é surpreendente, se você pensar – como fez Keynes – que as pessoas preferem as horas de lazer e que passariam menos tempo trabalhando, se ganhassem dinheiro suficiente para trabalhar menos. Em outras palavras, parece fazer sentido que pessoas que ganham muito dinheiro trabalhariam menos e não mais.
Ao invés disso, o oposto tem acontecido. Para comprovar, o salário de 4.200 dólares por mês de Erhardt não o colocaria na categoria de Fogel do topo dos 10% dos assalariados. Mas não há dúvida que, se ele tivesse vivido e continuado a trabalhar em um banco de investimentos, suas rendas teriam aumentado exponencialmente. Além disso, Erhardt pertencia a um meio em que as horas de trabalho pouco diminuem conforme se sobe na carreira corporativa. Alexandra Michel, professora assistente na U.S.C. Marshall School of Business, entrevistou mais de quinhentos sócios de bancos para um artigo sobre a cultura no local de trabalho: em seu primeiro ano de trabalho, todos os entrevistados disseram trabalhar mais do que oitenta horas por semana; no quinto ano, este número permaneceu nos 97%. “É como se fosse um experimento psíquico onde a luz está sempre acesa,” disse um sócio à Michel sobre seu ambiente de trabalho. “O único marco temporal são os turnos das secretárias”.
Como Keynes, cujas previsões já se mostraram tão acertadas, errou nesta?
A resposta talvez tenha a ver com o fato de que a cultura dos locais de trabalho – incluindo as horas que as pessoas trabalham – não são estabelecidas pelos trabalhadores, mas pelos empregadores. Estes, preferem contratar um número menor de trabalhadores que conseguem trabalhar um longo período do que pagar menos e dividir o trabalho pelo simples motivo de que da primeira forma é mais rentável, escreveram Robert e Edward Skidelsky no livro How much is enough? (Quanto é o bastante?). O resultado, de acordo com os autores, é que o mercado de trabalho é agora “dividido entre os que estão compelidos a trabalhar por mais tempo do que querem e os que não conseguem trabalhar o suficiente.”
A solução mais simples, eles argumentam, seria reduzir gradualmente o número de horas esperadas dos empregados. Esta solução provavelmente não anima os empregadores, é claro. Mas muitos se perguntam, à luz destas conclusões, se uma cultura de trabalho que reconhecesse os objetivos dos empregadores tanto quanto as necessidades dos trabalhadores poderia ter ajudado a evitar a tragédia da morte de Erhardt.

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