Em defesa do ECA e da não redução da idade penal


A lei n.º 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) não protege “bandidos mirins”, como o defendido pelo senso comum, que, afoito por maior punição, resta embebido na própria ignorância. É dirigido não apenas aos “outros” mas, também, aos nossos filhos os quais, por conveniência, sugerimos acima de qualquer suspeita e, assim, imunes às falhas

Muito se têm dito nos últimos dias...
Sob o ponto de vista técnico-jurídico, o artigo 228, da Constituição Federal, é claro: “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”, inserindo-se no rol dos direitos e garantias individuais, ainda que não alocado nos incisos do artigo 5.º. Sendo cláusula pétrea, qualquer alteração é, portanto, inconstitucional. Bastaria encerrar a argumentação por aqui. Nada mais.
A lei n.º 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) não protege “bandidos mirins”, como o defendido pelo senso comum, que, afoito por maior punição, resta embebido na própria ignorância. É dirigido não apenas aos “outros” mas, também, aos nossos filhos os quais, por conveniência, sugerimos acima de qualquer suspeita e, assim, imunes às falhas.
O ECA, como popularmente conhecido, representa uma verdadeira mudança de paradigma, ancorado na proteção integral de todas as crianças e adolescentes, com absoluta prioridade. A partir dele, passam a ser tratados como sujeitos de direito e não mais objetos, opondo-se aos antigos Códigos de Menores, de 1927 e 1979, assentados na chamada situação irregular.
Reforça, outrossim, a corresponsabilidade de todos para com a infância e a juventude brasileira, num tríplice sistema de garantias: políticas públicas, vistas por prioritárias, medidas de proteção e medidas sancionatórias, denominadas socioeducativas, inclusive, com privação da liberdade (semiliberdade e internação, a mais gravosa delas).
O adolescente, no particular, é reconhecido em sua fase de desenvolvimento que, em consonância à lei, vigora dos 12 aos 18 anos. O fato de ser inimputável, por sua vez, não o faz irresponsável por seus atos.
Imaginemos um adolescente apreendido aos 12 anos de idade, sendo-lhe decretada uma internação por até 3 anos – limite estatutário. Referido período, aparentemente curto, representa nada menos do que metade de sua adolescência.
Convenhamos: um jovem de 16 ou 17 anos já sabe muito bem o que faz, distinguindo o certo do errado. O ponto, todavia, não é esse. Não os transformemos em “bodes expiatórios”.
A propósito, lembremos três fatos:
Em abril de 1997, cinco jovens ateiam fogo ao índio Galdino, da tribo pataxó, em Brasília, dentre eles, um menor de idade.
Em novembro de 2010, na Avenida Paulista, um grupo de adolescentes, munidos de lâmpadas fluorescentes, agride covardemente dois rapazes, ferindo-os.
Há pouco mais de um ano, em fevereiro de 2012, um adolescente atropela e mata uma menina de apenas 3 anos, em Bertioga, pilotando um jet ski.
Nos crimes mencionados, curioso notar: ninguém se levantou para arguir a redução da idade penal. Seriam atos menos bárbaros? Seria pela classe social dos envolvidos? Espero que não.
Aqueles que defendem o rebaixamento da idade de responsabilização penal para 16 anos ou menos, almejam, no fundo, a solução para o problema da violência e da criminalidade que, acredite, não virá por essa via.
A leviandade de tal discurso igualmente endossa que “direitos humanos são para bandidos”. Outra falácia.
Reduzamos, por suposto, para 16 anos. Desiludidos, logo buscaremos os de 15, 14, 13 anos..., oxalá, na maternidade, reféns do discurso lombrosiano à caça daqueles com “propensão para o crime”.
O endurecimento das penas ou medidas, de per si, não surtirá qualquer efeito minimamente desejado dentro do complexo campo da segurança pública, para muito além de receitas simplistas. A alardeada lei n.º 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), por exemplo, passados 23 anos de sua promulgação, não reduziu a incidência de crimes desta natureza nem mesmo diminuindo a sensação de insegurança no seio coletivo. Perguntemos à população.
Como afirmava Cesare Beccaria, no seu célebre “Dos delitos e das penas”, de 1764, a certeza da punição e não o aumento das penas é, sem dúvida, o melhor caminho.
Hoje, adolescentes na condição de vitimizadores constituem imensa minoria, sendo o número de jovens vitimados pela violência inversamente superior. O assassinato, de longe, é a principal causa mortis nesta faixa etária.
Mais. A cada dez crimes cometidos no Brasil, ao menos oito são praticados por adultos, i.e., maiores de 18 anos. Do total de adolescentes internados, menos de 3% respondem por crimes dolosos contra a vida, como o homicídio. O tráfico de drogas e o roubo, somados, correspondem a quase 80% das “entradas” no sistema de justiça juvenil. Não é o que se divulga.
Temos no estado de São Paulo mais de 140 unidades juvenis e cerca de 9 mil adolescentes internos, com vultosos recursos na casa do 1 bilhão de reais/ano. Preocupados com o hoje, abrimos mão do alicerce. À sombra da atual política governamental, na semelhança da hiperinflação carcerária gerenciada aos adultos, novas unidades são inauguradas a cada semestre. Até quando?
Ah... Antes que eu me esqueça, como muitos de nós, tornei-me vítima da violência. Tive minha residência invadida, sofri duas tentativas de roubo e meu pai só não morreu com um tiro frontal na cabeça porque a bala, mesmo acionado o gatilho por um jovem, misteriosamente, não saiu.
*Ivan de Carvalho Junqueira é especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública e servidor na Fundação CASA/SP. ivanjunqueira@yahoo.com.br

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