Mais barato é comprar em alemão


Daniela Chiaretti/Valor
Bar em Kreuzberg, Berlim: bola de chocolate no sorveteiro italiano mais famoso do bairro custa € 1,00; na Rio+20, custava R$ 10,00
Um prato pouco apimentado em um charmoso restaurante indiano em Prenzlauer Berg, o bairro moderno e agitado de Berlim, custa € 5 - uns R$ 13,00. Com um copo de "lassi" - a bebida tradicional que mistura, por exemplo, iogurte com manga e resulta num treco delicioso - e o pão quente estufado Nan, a conta pode chegar a €8,00 - R$ 20,00. Em São Paulo o preço de um Big Mac com fritas e Coca é R$ 17,00. O Brasil está caro.
Uma sopa com galinha no vietnamita da Kastanienallee, no coração de Prenzlauer Berg, sai por € 3,50. Esquenta a alma e não pesa no bolso. Uma bola de chocolate amargo no sorveteiro italiano mais famoso de Kreuzberg, outro bairro alternativo da cidade, custa € 1,00 - e a casquinha vem transbordando. Durante a Rio+20, a Conferência das Nações Unidas que aconteceu em junho, no Rio, uma bola de sorvete no Riocentro custava R$ 10,00; duas bolas, R$ 20,00. Era muito saboroso, mas o espanto dos delegados estrangeiros com o preço não deixava formar filas na frente do quiosque. Mesmo em dias normais, sem eventos internacionais no calendário, o Brasil está, como se diz, pela hora da morte.

Comer em Berlim, é verdade, é bem mais barato do que em Londres, Paris ou Roma. Morar também. Locomover-se idem: a cidade é plana, toda cortada por ciclovias, basta ter uma bicicleta, alguma disposição e um cadeado, porque os roubos são muito comuns. Preços atraentes, a aura de modernidade da cidade e a musculatura da economia alemã vêm atraindo jovens europeus recém-formados que não encontram trabalho na Itália, na Espanha ou em Portugal. A nova onda de imigração, agora de mão de obra diplomada, lota os cursos de língua alemã oferecidos na capital.
Voltando ao custo-benefício dos cardápios: uma especialidade bem romana, "rigatoni cacio e pepe", em uma trattoria no Trastevere, custa € 10,00. Mesmo depois de Woody Allen ter feito sua ode ao bairro boêmio que fica ao lado do Tibre (Tevere, em italiano), ainda assim, o "cacio e pepe" delicioso sai mais barato do que um prato em um similar paulistano. E lá os turistas caminham pelas ruelas, não têm que pagar preços horripilantes de estacionamento. É assim em Paris também. Dois sucos, dois pães integrais com manteiga e dois cafés saem por R$ 29,00 em uma padaria lotada na região da Paulista - e mais R$ 24,00 por 1h30 de estacionamento. Até na comparação com Londres, São Paulo, Rio e Brasília estão caras.
Seguindo a trilha do consumo: o pijama de algodão em uma loja de departamentos do boulevard Saint-Germain, em Paris, sai por € 15,00. Uma passagem de ônibus de Roma a uma cidade a 75 quilômetros de distância custa € 4,50 ("€ 4,50?", repete desconfiado o turista brasileiro no guichê, achando que: 1. não entendeu; 2. deve ser uma roubada. Mas não é. O preço é esse mesmo e o ônibus é bom). Calças jeans em Viena, de boa qualidade, saem por menos de € 10,00. Assistir à "Ópera dos Três Vinténs" no próprio Berliner Ensemble de Bertolt Brecht, autor da peça e fundador do lendário grupo teatral, custa € 25 - R$ 65,00 por três horas de espetáculo, in loco. No Sesc Pinheiros, o texto de Brecht, a música de Kurt Weill e a montagem do americano Bob Wilson saiu por R$ 40,00 estes dias - mas o espetacular Sesc, com seus shows incríveis a preços honestos, todo mundo sabe, é a exceção da regra.
Turistas brasileiros estão por toda parte nas capitais europeias, comprando muito e de tudo. A febre de "compras em Miami" reproduzida na Oxford street, na via dei Condotti ou na Friedrichstrasse é resumida assim, pelo gerente da exclusiva loja de perfumes Diptyque, no boulevard St. Germain: "É que o país de vocês está caro, não é?"
Em Berlim, um grupo de 15 alemães se reúne uma vez por mês para falar sobre o Brasil. Todos têm ligações com o país. Moraram aqui, trabalharam em programas de agências de cooperação com projetos no Brasil, correram no calçadão de Ipanema. Jogam conversa fora em encontros sem tema fixo, para matar a saudade. Em uma das últimas reuniões, a pauta foi pouco original: como o país está caro. Falaram do preço dos aluguéis no Rio e em São Paulo. Um deles lembrou ter gasto quase R$ 100,00 em uma caldeirada de peixe num boteco bem boteco de Belém. Outro calcula o custo-Brasil pelo índice picanha. "Quando morávamos no Leme, em 2004, a picanha no restaurante ao lado custava R$ 29,90, menos que € 10,00. Há poucos meses pagamos R$ 79,90, mais que € 30,00!", espanta-se, entre um e outro gole de cerveja em um bar do Mitte, a região central da capital alemã.
Por onde se ande por ali, a bola prateada da torre de TV de Alexanderplatz surge no horizonte. Em um canto da praça mítica, a lojona de roupas de segunda mão exibe vestidos de noiva na vitrine. Logo adiante, a arara de roupas usadas é de macaquinhos e camisetas de bebês. Aqui se recicla tudo, almas muito consumistas ficam fora de lugar. Quem carrega muita sacola é turista. E quem, entre os turistas, carrega mais sacolas?

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