Sobre o voto nulo nas eleições de 2014

Blog Novas Cartas Persas

A partir do lançamento pela candidatura do PSDB da campanha contra o voto nulo, a mídia descobriu o grande fato novo das eleições de 2014: a quantidade grande de intenções de voto em branco e nulo (para simplificar, direi apenas “voto nulo”).

Dando eco à campanha tucana, o colunista da Folha Fernando Rodrigues quase desenhou em sua coluna (caso algum desavisado não entendesse), como se dissesse: “vote em alguém, eleitor, ou Dilma vence no 1º turno, coisa que nem você nem eu queremos”. Na mesma linha, também depois de o PSDB ter colocado a campanha na rua contra o voto nulo, o Estadão publicou umaentrevista com uma diretora do Ibope, no qual ela afirma, sem qualquer embasamento em evidência, que o eleitorado que vota nulo tem perfil próximo ao da oposição. Até pessoas de esquerda anti-petistas embarcaram na campanha anti-voto nulo liderada pelo PSDB.

A última pesquisa Ibope, realizada entre 18 e 21 de julho, mostrava o número de intenções de votos nulos de 16%. Outros 9% estão indecisos ou não responderam. O Datafolha apontou 13% de votos nulos e 14% indecisos na pesquisa realizada em 15 e 16 de julho. Na média, digamos, temos cerca de 15% de eleitores que rejeitam todos os candidatos. São os eleitores que estão “contra tudo isso que está aí”.

O número é muito alto quando comparamos com o registrado historicamente, na mesma época nas eleições passadas.



No fim de julho de 2010, o Datafolha mostrava apenas 4% de votos nulos e 10% de eleitores indecisos. Em julho de 2006, o Datafolha mostrava 7% de votos nulos (e lembremos que era a eleição “pós-mensalão”) e 8% de eleitores indecisos. Em julho de 2002, o número de eleitores que anulariam seus votos era de 5%, e 6% estavam indecisos. Em julho de 1998, o Datafolha mostrava 8% de eleitores dispostos a anular o voto e 9% de eleitores indecisos.

Temos então uma relativa estabilidade nos votos de eleitores indecisos. Já o número de eleitores que estão dispostos a anular seu voto em 2014 é de duas a quatro vezes maior, quando comparado a eleições passadas. Assim, a dinâmica do voto nulo ganha contornos fundamentais: é ele que vai definir a sorte do 1º turno das eleições.

Historicamente vê-se que o número de votos nulos foi sempre maior do que a intenção de voto que os eleitores tinham em julho. No caso de 2002, essa variação foi ainda maior, muito devido à crise econômica na qual o país mergulhou mais profundamente no 2º semestre daquele ano.

Felizmente a economia do país está em uma situação melhor do que estava em 2002, tanto no que diz respeito à inflação, quanto ao nível de desemprego e também aos indicadores de vulnerabilidade externa (sobre o tema da vulnerabilidade, leia mais no Mito Econômico Brasileiro #4). Mas, sim, o pleito de 2014 pode entrar para a história da Nova República como as eleições presidenciais com o maior número (absoluto e relativo) de votos nulos.

Intenção de voto nulo nas eleições de 2014
Depois de analisar o comportamento do voto nulo historicamente, vamos analisar a dinâmica do voto nulo ao longo das pesquisas eleitorais para as eleições presidenciais de 2014.

Observando o gráfico abaixo, feitos a partir de dados do Instituto Datafolha, vemos que a dinâmica do voto nulo apresentou basicamente um ponto de inflexão em junho de 2013, seguida por uma relativa estabilidade e uma queda moderada em julho. Esses dois pontos de variação, junho de 2013 (o mais forte) e julho de 2014 foram acompanhados, nos dois casos, por uma variação da intenção de voto da presidente Dilma: no primeiro ponto, houve uma queda expressiva (de 51% para 30% no cenário mais próximo do atual, ainda que com Marina na simulação e sem os candidatos de partidos pequenos). O número de eleitores sem candidato subiu de 12% para 24%. No segundo ponto de inflexão (mais brando), em 2 julho quando houve uma leve queda dos votos nulos, a intenção de Dilma oscilou para cima (de 24% para 38%) e, em seguida, em 16/7 oscilaram em direções opostas a intenção de voto em Dilma (para baixo, de 38% para 36%) e o número de eleitores indecisos (para cima, de 11% para 14%). Ao mesmo tempo, os candidatos da oposição variaram muito pouco ou não saíram do lugar, nos dois períodos analisados.



Dada esta dinâmica da intenção de voto nula (e para Dilma), uma hipótese bastante plausível é a de que boa parte desses eleitores que não deseja votar em nenhum dos candidatos já foi um eleitor que, num passado recente, tinha intenção de votar em Dilma. Trata-se, pois, de um eleitor que oscila entre o voto em Dilma e no voto nulo (ou na indecisão). Ao contrário do que afirmou categoricamente a diretora do Ibope, nada leva a crer que são eleitores que “tem o perfil de eleitores da oposição”. Uma parte desses eleitores que votam nulo rejeitam todos os candidatos, parte rejeita o sistema democrático liberal-representativo (por motivos diversos, à direita ou à esquerda). Esses jamais votarão em qualquer candidato. Para eles, Dilma e Aécio ou qualquer outro candidato são a mesma coisa. Para estes, não se trata de rejeitar Dilma apenas, mas tudo e todos.

Mas boa parte desses eleitores que estão hoje querem anular e, especialmente, os indecisos, podem não estar rejeitando o sistema ou a oferta de candidatos trazida pelos partidos. São eleitores que temporariamente rejeitam a política, mas que, no fundo, querem um motivo para voltar a participar de maneira positiva do processo eleitoral. São eleitores que querem acreditar em um projeto de governo (ou de país), mas que, até o momento não se convenceram ou não tiveram acesso a propostas, programas e projetos de governo por meio das fontes de informação de que dispõem. E, ao contrário do que pensa a mídia, Aécio e a diretora do Ibope, o mais provável é que a segunda opção do eleitor que hoje anularia o voto é votar pela reeleição da presidente (tal como era sua intenção antes das Manifestações de Junho).

Campanha contra o voto nulo: o tiro pode sair pela culatra
“Vamos chamar os indecisos para irem às urnas, não para votar em mim, mas para praticar o voto consciente”, disse Aécio a O Globo. Por trás do falso altruísmo e civismo está um calculo eleitoral bastante pragmático (e, a meu ver, falho): se os eleitores que hoje votam nulo decidem votar de maneira “consciente”, o custo para que Dilma se eleja já no 1º turno aumenta, isto é, ela precisaria de mais votos para ter a maioria absoluta dos votos válidos. Assim, o voto nem sequer precisaria ser para Aécio (daí seu altruísmo). Na mesma linha, muitos tucanos, vejam só, querem uma “vitória expressiva” de Campos em Pernambuco.

A falha está na premissa: tanto Aécio quanto Fernando Rodrigues assumem que o voto nulo excepcionalmente elevado em 2014 é um voto essencialmente anti-Dilma. Mas vimos que o comportamento desse voto é inversamente proporcional ao voto em Dilma: isto é, quando aumenta o número desses eleitores, cai o número de eleitores da presidente (como em junho de 2013) e quando cai o número de eleitores que anulariam o voto (como em julho), sobe a intenção de voto na presidente (como em julho de 2014).

A moral da história é a de que o êxito de uma campanha do tipo “vem pra urna”, slogan do TSE adotado pelo tucano, pode se traduzir não em um aumento das chances de 2º turno, mas, ao contrário, pode aumentar as chances de as eleições serem decididas já no 1º turno. Isso, claro, se Dilma fizer uma campanha positiva/propositiva e competente. Em outras palavras, se os eleitores que hoje pretendem votar nulo se convencerem a votar em alguém, e esse alguém for Dilma, as chances de 2º turno diminuem muito. Assim, o tiro de Aécio pode sair pela culatra.

Durante os meses de campanha, é esperado que o candidato governista suba nas pesquisas, mesmo que tenha uma alta rejeição ou baixa aprovação: assim foi com Kassab, na eleição para a Prefeitura de São Paulo, em 2008, e com a própria Dilma em 2010. Isso é ainda mais verdade quando a mídia, em geral, tem um viés de oposição (como pode ser visto mais claramente no Manchetômetro, da UERJ) e quando o/a candidato/a governista tem um grande tempo de TV.

É importante enfatizar algumas considerações finais sobre o voto nulo que vão além do pragmatismo estreito:
O voto nulo é um voto de protesto, tem sua racionalidade e é um voto legítimo: o eleitor que vota nulo tem o direito de rejeitar a lista de candidatos oferecida a ele ou protestar contra o sistema – mesmo que, no fim, alguém com quem ele discorde seja eleito;

Uma eleição com uma grande proporção de votos nulos (ou abstenções também, nesse caso) é ruim não só para o 2º colocado, mas também é ruim para quem vence no 1º turno. A aritmética da votação é um fator importante para conferir força e legitimidade ao eleito, em especial no começo de mandato, para implantar as mudanças para o qual foi eleito.

Além de ruim para todos os candidatos (de maneira diferente), uma grande proporção de votos nulos numa eleição geral (ou qualquer eleição) é ruim também para a democracia (sistema) representativa do país como um todo, apesar de ser, do ponto de vista individual, uma escolha legítima. É também um indicador de que algo não vai bem no sistema político – pode ser uma crise de representatividade política ou pode ser um fator conjuntural de crise ou apatia de outra sorte;

Uma eleição ganha no 2º turno com grande número de votantes e de votos válidos pode dar mais legitimidade e força ao vencedor do que uma eleição ganha no 1º turno com um número elevado de abstenções e votos inválidos;

O esforço tucano de canalizar esforços contra o voto nulo significa diminuir o esforço para fazer passar sua mensagem/programa (campanha positiva);
O eleitor que hoje anularia seu voto, mas que poderia mudar para um voto válido, é aquele que está disposto a se convencer de que tem motivos para isso, isto é, um eleitor que hoje está descrente, mas está aberto a ouvir algum candidato disposto a ganhar seu coração e mente. Porém, até agora, a campanha dos candidatos de oposição está muito mais centrada em criticar “tudo o que está aí” do que apontar um rumo novo, um projeto político diferente e claro. Esse tipo de tática só reforça a apatia e anula (com o perdão do trocadilho) a campanha contra o voto nulo;
O colunista da Folha Fernando Rodrigues concluiu seu artigo em que endossa e reverbera a campanha de Aécio em favor do voto nulo da seguinte forma: “Tudo considerado, ao votar nulo o eleitor pode, de maneira inadvertida, sem querer, eleger um político contra o qual talvez desejasse protestar”. Só tem um problema (bom, além dos que já foram discutidos). Se o eleitor aceita abraçar e divulgar a campanha ou a mensagem contra o voto nulo nas eleições dizendo que o voto nulo beneficia Dilma, não se percebe o corolário desse postulado: o êxito de uma campanha de voto nulo (assim desenhada), pode igualmente beneficiar o 2º colocado (no caso, Aécio Neves”). Isto é , o eleitor que decide validar seu voto pode, da mesma forma, “de maneira inadvertida, sem querer, eleger um político contra o qual talvez desejasse protestar”.

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