Marina e a tragédia de Collor que se repete como farsa, por J. Carlos de Assis

J. Carlos de Assis no Jornal GGN


Aqueles de minha geração que viram “Muito além do jardim”, com o inigualável Peter Sellers, não terão se surpreendido com o fenômeno Marina Silva das últimas semanas. A média da opinião pública está sempre preparada para ouvir e aplaudir o que ela própria pensa. Um fenômeno político capaz de dizer que “vai governar com os melhores”, e não com os partidos, é capaz de declarar solenemente que primeiro vem a primavera, depois o verão, depois o outono e, finalmente, o inverno. Do que resultam longos, longos aplausos!

Esse fenômeno burlesco não teria existido caso uma classe dominante essencialmente estúpida não se mobilizasse junto com a grande mídia para tentar liquidar o governo do PT, mesmo diante do fato óbvio de que Dilma é a última das petistas dos governos PT. É que a classe dominante, ela mesma influenciada pela mídia, não consegue explicar a si mesma a raiva que tem de Dilma. Foi largamente beneficiada por investimentos, desonerações fiscais, PPPs, terceirizações, tripés macroeconômicos, tudo ao gosto tucano e sob a cartilha neoliberal.

Por que a elite dominante ficou contra Dilma? Sim, isso só se explica pela influência raivosa do partido midiático, verbalizada por ventríloquos como Jabor. Aparentemente as verbas publicitárias para o sistema Globo, embora ainda continuem gordas, minguaram nos governos de Lula e de Dilma. Além disso, vigia à distância, embora infelizmente repudiada no curto prazo, a ameaça de um certo estatuto regulatório para a mídia, na tentativa de controlar os monopólios no setor, inclusive na feitura gráfica de material educacional. Isso levanta a indignação do sistema Globo e da Abril, e o medo do segundo mandato de Dilma, que poderia ficar mais solta em relação à rede de dominação do poder econômico.

Os mais especulativos entre os nossos cidadãos podem coçar a barba e se lembrar da advertência de Platão. Quando falava nos riscos da democracia, o velho pensador sabia do que estava falando. O risco da democracia é a anarquia. A monarquia absoluta e aquilo que conhecemos hoje como ditaduras correm o risco da corrupção e da degeneração. Daí, o governo dos sábios. É o que Marina tenta encarnar com seu governo dos “melhores”. Se ganhar, veremos sua experimentação. Platão, que tentou o governo dos sábios em Siracusa, saiu de lá escorchado a pontapés. Veremos o que acontecerá com Marina!

Em “Muito além do jardim” um jardineiro idiota, apropriado pela força midiática, prepara-se para concorrer à Presidência da República embalado involuntariamente pelos poderosos que sabiam poder manipulá-lo por trás da cena. Não se sabe o fim da história, porque as deliberações “políticas” acabam no momento do enterro do presidente. No nosso caso, parece que o jogo que começou num enterro ainda está em curso. As elites dominantes que tiraram o gênio da garrafa se assustaram com o resultado. O objetivo era bombar Aécio, não uma militante ambientalista que acredita que o problema do Brasil é ter acelerado a exploração do pré-sal, estar integrado no Mercosul e que quer uma revisão e uma moratória no licenciamento ambiental.

É rigorosamente impossível saber como terminará esse processo que oscila entre a tragédia e a pantomima. Temos a experiência de Collor, uma promessa “política” traduzida na forma de um discurso de lugar comum e banalidades prosaicas, com frases de efeito, sem conteúdo, que ganhou o gosto do povo. Conhecemos o resultado, mas temos visto também que isso não basta para evitar um novo experimento extravagante. Marx escreveu que a história muitas vezes acontece como tragédia, e se repete como farsa. Tivemos, com Collor, uma tragédia. Veremos o que acontecerá em frente, se a ameaça Marina se concretizar.

J. Carlos de Assis - Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB, autor de mais de 20 livros sobre Economia Política Brasileira.

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