Sobre o óbvio, com a licença de Darcy


Existe uma enorme diferença entre ter idade e ser velho.
Parece o mesmo, ou uma idiotice destas de falar em “melhor idade”. Baboseira
Melhor idade uma pinóia, bom mesmo é ser jovem e ter mais energia do que a cabeça sabe organizar, certinho.
E da cabeça desorganizada que sai o novo, o belo, a arte, a criação, porque nela cada coisa não tem um rótulo ou uma daquelas plaquinhas de alumínio numeradas, que correspondem qualquer coisa ao seu inventário.
Quando amadurecemos demais estamos a um passo da putrefação.
Velho é bolorento, calicento, não tem sabor nem paixão.
Velho é prático, não é apaixonado.
Todos nós, que éramos jovens transformadores, de alguma maneira nos conformamos.
Há os filhos, as contas, há o “toma jeito”, há o juízo. A carreira, a respeitabilidade,  o olhar – não sem inveja – dos “bem sucedidos”, ajustados ao mundo que íamos mudar.
Enquanto isso é uma amarra, não faz mal, porque não se prende senão o que é livre.
Mas quando nos acostumamos ao conforto do lugar comum, quando assumimos os métodos daqueles que queríamos vencer, aí capitulamos, aí nos temos rendido.
É fato que temos de ceder e frustrar sonhos. Mas nem ceder quer dizer aderir, nem frustrar sonhos quer dizer abjurá-los.
Não há mudança sem risco, nem ousadia sem temeridade.
Embora pareça obvio preservar velhas ideias, como já nos ensinou Darcy Ribeiro, o obvio pode ser um grande equívoco.
Esta divagação, o que tem a ver com a política, que é a nossa argamassa aqui?
Não presta para a administração do dia-a-dia, como a utopia não presta para fazer o supermercado do mês.
Mas quando não se olha cada passo como um caminho para o horizonte, para que, diabos, serve aquela desfocada linha azul?
É verdade que os embates agudos, como são os que enfrentamos para que este país  – e a vida de cada um dos seres humanos que nele vive – mude os rumos desastrosos a  que por séculos  vaõ sempre exigir cautela, tática, capacidade de reduzir atritos e ampliar apoios.
Mas não ao preço de nos retirar a identidade, as crenças e os princípios,  nem deles fazer apenas um papel amarelado nos escaninhos da História.
Olhemos os partidos socialistas da Europa. Aceito o papel de gestores da crise do capitalismo neoliberal, preocupados, pragmaticamente em gerir com o máximo de eficácia o drama criado por outros, acabaram por se tornarem os padrastos do desastre que adotaram como seu e foram inapelavelmente varridos do poder.
Assumir a ideologia do inimigo e reduzir o caminho do futuro a medidas administrativas, mesmo lúcidas e corretas, é um pecado fatal.
Nosso compromisso de mudança significa mudar. Antes de tudo, de atitude.
Se prudência é para os sábios, medo é para os covardes e acomodados.
Temos uma década de governos de mudanças.
Fez-se o dever admnistrativo e temos um país mais igual e menos submisso, temos um Brasil com menos injustiça e menos atraso, embora ainda muito atraso.
Mas falta muito ainda do dever político, o de mostrar que essa tarefa vai além da gestão de governo – onde nem sempre o pão é tanto que se possa dá-lo a todos, tanto quanto se deveria,  – mas é uma missão política.
Porque o Brasil do atraso e da injustiça que estamos mudando não é obra de gente morta, embora essas gentes odeiem a vida.
É trabalho de uma classe dominante sabida e ladina, que se apresenta como amiga do progresso fútil e da moralidade hipócrita, que fazem o fútil e o hipócrita essenciais e o progresso e a moralidade fantasiosos.
Um bom governo não apenas governa bem, com atos, decretos e programas de ação. Mas esclarece seu povo, nos inveitáveis embates da mudança.
Por isso, são imensos agora os nossos desafios.
Não temos apenas de vencer, como tem vencido o povo brasileiro na sua intuição.
A oportunidade que esta CPI, provocada pelos negócios cujos milhões não deixam de ser rastaqueras e bandidos, nos dá de expor os métodos de desestabilização de governos eleitos  é uma pérola.
Se tivermos medo do quanto ela ameace nossa tranquilidade política, agiremos como velhos.
Mas se ousarmos, com a juventude do nosso sentir e o saber do nosso viver, temos uma chance de mostrar ao povo brasileiro parte dos esquemas perversos que o fazem cativo.
Talvez com imprudência, que pode nos ferir. Jamais com com conivência. Que, sem talvez, é algo que nos mataria, com o tempo.

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