Nas mãos de Lula, não do Supremo, o destino de Cesare Battisti

José de Souza Castro

Oito ministros do Supremo Tribunal Federal votaram o pedido do governo italiano para que o escritor Cesare Battisti seja extraditado para a Itália, para cumprir a condenação à prisão perpétua. Quatro votaram contra e quatro a favor. Está nas mãos do presidente do Supremo o voto de desempate, que poderá ser dado nesta quarta-feira. Não tentarei antecipá-lo aqui mesmo porque em cada cabeça de juiz há uma sentença. Mas Carta Capital, revista de propriedade do jornalista Mino Carta, nascido na Itália, em artigo disponível na Internet hoje faz sua aposta: “Embora Gilmar Mendes tenha adiado o voto de desempate durante julgamento na quinta-feira 12, até mesmo a defesa de Battisti via como difícil uma reversão do quadro em favor de sua permanência no Brasil”.

E acrescentou: “Antes de suspender a sessão por falta de quorum, o presidente do Supremo, que sinalizara ser contra o refúgio concedido a Battisti em janeiro pelo ministro da Justiça Tarso Genro, pôs por terra a argumentação de que o tema não era constitucional”.

A revista vem fazendo campanha a favor da extradição. Contrapondo-se a ela, o jornalista Celso Lungaretti, um dos mais aguerridos defensores de Battisti na imprensa brasileira, não perdeu porém a esperança. Mesmo antes de o ministro Marco Aurélio Mello ter dado seu voto contra a extradição, na última quinta-feira, Lungaretti escreveu artigo no Observatório da Imprensa acenando para a derrota, no Supremo, do governo italiano – e de Mino Carta. Qualquer que seja o desfecho do caso, já temos um perdedor: o primeiro editor da revista Veja, que nesse episódio vem demolindo sua própria biografia. Cai a máscara de inimigo da direita reacionária, quando se alia a Sílvio Berlusconi, que vem seguindo com êxito, até agora, as trilhas de Mussolini.

Morte na Itália

Só para argumentar, vamos supor que o presidente do Supremo vote a favor da extradição. Nesse caso, a bomba cai no colo do presidente Lula. Vai ser muito difícil para o chefe do Executivo contrariar a decisão do seu ministro da Justiça, Tarso Genro, negando a extradição, depois do longo voto proferido pelo ministro Marco Aurélio Mello, que deixou bem clara a posição de condenado por crime político – e não por crime comum, como argumentou junto ao Supremo o governo italiano.

Ao dar sua palavra final no caso, o presidente Lula não pode ignorar a denúncia feita nos últimos dias pelo jornalista italiano Achille Lollo. Ele confirma o receio manifestado pelo ministro Tarso Genro de que a vida e a integridade física de Cesare Battisti estariam em perigo na Itália, se para lá fosse extraditado. Um trecho do artigo transcrito por Lungaretti:

Na Itália, nos primeiros dez meses deste ano, 61 presos optaram pelo suicídio no lugar de ficar nas `seções especiais de isolamento´ que os Tribunais impõem através do artigo 41bis a todos os presos considerados `perigosos´. Agora, o 62º suicídio por enforcamento foi da militante das Brigadas Vermelhas Diana Blefari Melazzi (38), por não aguentar mais o sistemático isolamento, após seis anos e meio de prisão.

Apesar do que foi veiculado na revista Carta Capital (a mando do então Subsecretário das Relações Exteriores italiano, Donato di Santo, e do então embaixador italiano, Valensise), para os terroristas o 41bis é obrigatório e a cadeia perpétua (ergástulo) é mantida para todos os presos políticos que não colaboraram durante as investigações.


Para Diana Blefari Melazzi, o suicídio por enforcamento foi a trágica saída do regime de isolamento especial. Presa em 2003 e condenada à prisão perpétua em 2005, a ex-brigadista Diana Blefari Melazzi começou logo a manifestar `problemas psicofísicos´; tanto que nos últimos quatros anos foi submetida a 30 perícias psiquiátricas, além de várias `medicações´.

A Carta Capital afirma que “está nas mãos do presidente do Supremo Tribunal Federal o destino do criminoso Cesare Battisti, foragido da Justiça italiana e capturado no Rio de Janeiro em 2007”. Diz que o presidente da República “não terá a prerrogativa de contrariar a decisão do tribunal e reafirmar o refúgio”.

A Folha de S. Paulo informa nesta terça-feira que, em visita a Roma, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que espera a decisão do Supremo amanhã, para ver se lhe caberá fazer algo a respeito. E avisou: "Não existe possibilidade de seguir ou ser contra. Se a decisão da Suprema Corte for determinativa, não se discute, cumpre-se. Vamos aguardar. Não posso discutir hipóteses de uma coisa que está em julgamento".

Até esse caso, o entendimento do Supremo é que decisão da corte é apenas autorizativa, isto é, permite ao chefe do Executivo realizar a extradição caso ele considere a medida adequada e conveniente do ponto de vista político. Mas, segundo o jornal paulista, o STF tem afirmado que, “quando existe tratado bilateral de extradição, como é o caso Brasil-Itália, o documento deve ser respeitado. Pelo tratado, se o Brasil se recusar a enviar o extraditando, precisará se justificar”.

Para o ministro Marco Aurélio Mello, não cabe ao Supremo revogar refúgio concedido pelo governo. O julgamento havia sido suspenso em setembro passado, por um pedido de vista desse ministro.

O presidente do Supremo pode aliviar a pressão sobre Lula, se, contrariando sua própria biografia, desempatar o jogo em favor de Battisti, que passou os últimos 20 anos ou mais escrevendo livros que nem de longe lembram sua antiga militância política. Mas, se Gilmar Mendes não quiser poupar o chefe do Executivo de um novo desgaste junto aos antigos companheiros de luta contra o regime militar, Lula corre o risco de repetir a triste história de Getúlio Vargas, que acatou o pedido do governo Hitler e autorizou a extradição de Olga, a mulher do líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes, para morrer num campo de concentração nazista.

Em cada cabeça uma sentença

Battisti foi condenado na Itália à prisão perpétua por quatro assassinatos cometidos no final da década de 1970, mas sempre negou envolvimento com os crimes. No Brasil, para onde fugiu depois de seu refúgio ter sido suspenso pelo novo governo de direita da França, o ex-ativista foi preso em março de 2007 e se encontra no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, onde aguarda a conclusão do processo de extradição, apesar de ter recebido refúgio do governo brasileiro.

O julgamento no Supremo foi iniciado em setembro passado e o primeiro a votar foi o relator do processo, Cezar Peluso, que defendeu a extradição, desde que Battisti fique preso na Itália por tempo não superior a 30 anos, pena máxima prevista na legislação brasileira. Peluso não viu indícios de que o ex-ativista tenha sofrido perseguição política, classificando seu crimes como comuns, e não políticos. “Não há nenhuma dúvida de que lhe foram assegurados todos os direitos de defesa”, disse o relator em plenário.

O ministro Marco Aurélio Mello rebateu tudo isso, em seu longo voto, e afirmou que não cabe ao STF revogar uma decisão soberana do Poder Executivo, que concedeu o status de refugiado ao ex-ativista. “O Supremo não há de substituir-se ao Executivo, adentrando seara que não lhe está reservada constitucionalmente e, repito, simplesmente menosprezando a quadra vivenciada à época na Itália e retratada com todas as letras na decisão proferida”, disse. E argumentou: "O fato de não haver, na estrutura desse Poder [o Judiciário], um órgão que possa rever as decisões deste tribunal [STF], não pode levá-lo, legitimamente, a esse temido extremo". Do contrário, seria como levá-lo à "ditadura do Judiciário".

Para terminar, tomo emprestado o que publicou hoje a Folha de S. Paulo, na página de opinião, em artigo escrito por Marcos Nobre: “Ao responsabilizá-lo pelo crime de não ter buscado ampliar a democracia por meios democráticos, a sociedade democrática deve lembrar ao mesmo tempo das suas próprias origens nas revoluções do século 18 e nas lutas políticas por vezes violentas que a moldam até hoje. Deve lembrar que não pode sobreviver se não se democratizar cada vez mais, se não permanecer fiel ao impulso que a produziu. É essa lembrança que deveria impedir a extradição, por motivos políticos, de Cesare Battisti”.

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