Arminio Fraga e a distribuição de renda




Em artigo publicado nesta seção, Armínio Fraga, assessor do candidato do PSDB Presidência da República, apontou "mitos do discurso econômico do PT", apelou pela melhoria do debate público e concluiu que "o populismo e a mentira são inimigos da democracia e da boa política". Mas o pedido vem em texto que desenvolve temas econômicos no triviais em poucos parágrafos e faz uso da "retórica do espantalho", distorcendo e exagerando argumentos do adversário para torná-los mais facilmente refutáveis.

Por exemplo, Armínio diz que os petistas carregam um "preconceito ideológico com o investimento" e compartem a visão de que "basta estimular a demanda que o resto se resolve". Esse argumento estapafúrdio dificulta qualquer debate, mas, com boa vontade, podemos supor que ele se refere à tese, de fundo keynesiano, de que a distribuição de renda pode favorecer um ciclo virtuoso de crescimento.

Essa ideia considera que o aumento do poder de compra da população mais pobre, por estimular a demanda, induz o investimento ao incentivar o aproveitamento de economias de escalas, sobretudo das empresas voltadas ao mercado interno.

Isso não é uma aposta irresponsável no consumo como motor do crescimento, tampouco minimiza as ações do lado da oferta, como as políticas industrial, educacional, de infraestrutura e de ciência e tecnologia. De 2004 até a crise de 2008, o Brasil viveu um ciclo virtuoso de crescimento com distribuição de renda, com vigorosa expanso do consumo.

Mesmo após a crise, a demanda interna forte e o baixo desemprego se mantiveram graças a menor vulnerabilidade do país e à adoção de politicas anticíclicas. E, contrariamente ao pretenso "preconceito ideológico com o investimento", entre 2004 e 2013 as taxas de crescimento do investimento foram sistematicamente mais altas do que do PIB, exceto em 2009 e 2012 –a taxa de investimento foi de 16,4% do PIB em 2002 a 20,9% em 2013.

Nesse contexto, o modelo de crescimento e o papel da distribuição de renda devem ser objeto do debate eleitoral, sem espantalhos ou demagogia. Qual será a política salarial em um governo Dilma, Aécio ou Marina? As baixas taxas de desemprego serão sacrificadas em nome do combate inflação? Haverá compromisso com a continuidade da distribuição de renda? O próprio Armínio já disse que o salario mínimo cresceu demais no Brasil. A sua versão da distribuição de renda ficará a cargo da espontaneidade das forças de mercado?

O autor também alega que o governo teria represado irresponsavelmente os preços da energia e a taxa de câmbio. Quem represou a taxa de câmbio mais que o governo tucano? Em 1998, para garantir a reeleição, FHC adiou uma crise cambial incontornável e recorreu ao FMI com um empréstimo de US$ 41,5 bilhões para queimar reservas e sustentar um real sobrevalorizado. Essa, sim, foi uma política de gestão macroeconômica irresponsável, que endividou o país e culminou na crise cambial de 1999 e na mudança tardia para o regime de câmbio flexível, cuja transição foi administrada pelo próprio Armínio no Banco Central.

Se em um bom debate não se pode desqualificar o adversário, tampouco se pode insinuar que as políticas econômicas são temas técnicos e que existe a "boa política" e a "má política". O que existem são modelos econômicos em disputa em prol de interesses políticos distintos.

A política econômica dos governos Lula e Dilma priorizou, pela primeira vez em nossa história, o crescimento econômico com distribuição de renda e permitiu a redução da pobreza, da desigualdade e do desemprego. E isso com a inflação há dez anos dentro dos limites da meta, com queda da dívida pública líquida e estabilidade da bruta e com a ampliação dos investimentos e das reservas internacionais.

Se a implementação dessas políticas atendeu às demandas de parte substancial da população brasileira, mas contrariou alguns interesses estabelecidos, isto é absolutamente natural. O que não é natural, nem bom para o debate, é recorrer a argumentos falaciosos para desqualificar quem pensa diferente.

JORGE MATTOSO, 64, economista, professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp. Foi presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2006)

PEDRO ROSSI, 33, professor do Instituto de Economia da Unicamp

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