A indignação do jornalista Gilberto Dimenstein

Marcelo Mirisola


O jornalista Gilberto Dimenstein fez coro a queixa de duas dezenas de respeitabilíssimos intelectuais 30 horas, e manifestou sua indignação com relação à injustiça que alguns irresponsáveis - faço questão de me incluir nesse rol de malfeitores - perpetram contra a figura da grande educadora Neca Setúbal. Ou Maria Alice Setúbal, patronesse de Marina Silva, dona do Itaú, candidata à ministra da cultura num eventual governo do PSB.

Palavras de Dimenstein: "Conheço Maria Alice há mais de 20 anos. Ela é uma educadora séria, cuja vida é voltada a melhorar a qualidade de ensino, disseminando inovações para gerar inclusão. Podia ser uma dondoca viajando pelo mundo. Mas esteve e ainda está com projetos na periferia. Macular imagens de pessoas desse nível é prejudicar um país tão carente de educadores".

No Globo desse domingo (1/9) Aldir Blanc batizou a injustiçada Maria Alice Setúbal de Nhá Neca. Segundo Dimenstein, o irresponsável e desconhecido autor de "O bêbado e a Equilibrista", "De frente pro crime", "O mestre sala do Mares" entre outras, estaria maculando a imagem de Sinhá em busca de fama e reconhecimento.

Tá lá o corpo da Sinhá estendido no chão.

Pelo teor da nota de Dimenstein acreditamos que Nhá Neca é - no mínimo - a reencarnação de Anísio Teixeira. Com a devida vênia, eu discordo.

Acompanho o "as propostas" de madame de longa data. Um texto publicado em março de 2013 no Jornal Folha de São Paulo cujo título é "Novas formas de aprender e ensinar”, é exemplo acabado do pensamento da educadora que "dissemina inovações para gerar inclusão", segundo Gilberto Dimenstein.

Os textos de madame costumam ter a marca indelével que conduz do óbvio ao ululante (Marina Silva reza pela mesma cartilha); são como folders, propagandas de condomínio que indicam, ou melhor, cobram o caminho da felicidade, apesar de a felicidade, pobre e acuada felicidade, não ter sido consultada a respeito de tão nobre encaminhamento.

Uma coisa salta do texto de dona Maria Alice. Algo que corria nas veias do velho Olavo, seu pai: ela sabe cobrar.

Vou analisar as ideias de Nhá Neca, peço só um pouco de paciência ao leitor.

No referido artigo, madame aposta na “inteligência coletiva” que – segundo sua bola de cristal high-tech – está na iminência de ser consumada pela força da revolução tecnológica. Dona Maria Alice não costuma deixar lacunas porque cumpre sua função, repito, que é levar o nada a lugar nenhum com a marca da excelência, como se o mundo fosse uma agência bancária cor-de-laranja protegido por portas giratórias e slogans de publicidade.

O problema é que Nhá Neca esquece que o lado de fora não tem ar condicionado. Revolucionária, decreta o fim do ensino linear. Para madame, o ensino da maioria das escolas – que ainda trabalham com aulas expositivas e livros didáticos – não faz mais sentido diante do conhecimento que é “transversal e produzido nas conexões entre várias informações”.

Bem, esses conhecimentos ou essas conexões, que eu saiba, só existem e funcionam em sua plenitude nos sistemas de cobrança do banco de madame e na bolsa de valores. No mínimo, dona Maria Alice Setúbal, que se imagina mensageira do futuro, é uma debochada. Convenhamos que a “realidade transversal” que os nossos professores experimentam nas salas de aula têm outros nomes que nem o eufemismo mais engenhoso poderia disfarçar, tais como salário de fome, violência, falta de planos de carreira e condições precárias de trabalho, entre outros.

Para coroar seu pensamento revolucionário, Nhá Neca, sentencia: “Essa transversalidade se expressa nas demandas das empresas e nas expectativas dos jovens”.

Que jovens são esses, Dimenstein? Aqueles que madame adestra em seus canis cor-de-laranja? Qual a expectativa deles? Telefonar pras nossas casas às sete horas da manhã para nos lembrar que somos devedores do Itaú? Ou a expectativa desses jovens é subir na vida, e virar gerente de banco?

Dona Maria Alice vai além e se entrega, ela acredita que a tecnologia vai produzir “pessoas que saibam resolver problemas, comunicar-se claramente, trabalhar em equipe e de forma colaborativa. Que usem as tecnologias com desenvoltura para selecionar, sistematizar e criticar informações. E que sejam inovadoras e criativas”.

Ora, madame quer empregados que não a incomodem, e encerra seu raciocínio de forma impositiva e castradora: “E que sejam inovadoras e criativas”. Não querendo fazer leitura subliminar, nem ser Lacaniano de buteco, mas esse “E que sejam inovadoras e criativas” é de amargar, hein Dimenstein?

O artigo de dona Maria Alice é uma ordem de comando. A voz da dona, a mulher que visivelmente não pode ser contrariada. Difícil ler e não sentir-se um empregadinho dela. Ao mesmo tempo em que ordena “inovação e criatividade”, elimina a possibilidade de reação: “para fazer da tecnologia uma aliada da educação, é preciso vencer o medo do novo e superar a cultura da queixa”. Como se madame dissesse: “ Obedeçam, e calem a boca. O futuro é meu, e se eu disser que é coletivo e cor-de-laranja, dá na mesma”. Heil, Neca!

Em vez de desfilarem seus preconceitos e visões de mundo revolucionárias nas páginas dos jornais, na “pedagogia da inclusão”, nos cinemas, no mundo do entretenimento e nas artes em geral, esses banqueiros (incluo Waltinho lírico) fariam muito mais pela sociedade e pela cultura se extinguissem suas financeiras e baixassem os juros pros pobres coitados de seus correntistas. Não desejo a fila da Taií pros meus coleguinhas escritores nem pros rappers que frequentam os saraus do Itaú Cultural. Até a alma do Leminski (“ocupação Leminski”) eles compraram.

Para terminar, meu caro Dimenstein, eu queria dizer que alguma coisa está muito errada quando madame deixa de viajar pelo mundo. Quando sinhá deixa de torrar sua grana em sapatos, jóias e perfumes, quando ela come caviar e arrota mortadela, alguma coisa não fecha. Pense bem, alguma coisa está muito errada: no lugar de desfrutar do azul do mediterrâneo, Mme. resolve se encafuar na periferia para adestrar a escumalha. Sinceramente, isso mais me parece fetiche, culpa, sadismo. Qualquer coisa que irrompe do reino das parafilias, menos grandeza de espírito.

Para não dizer que sou mais um irresponsável a macular o nome de uma família com tantos serviços prestados à nação ( não é de bom-tom, como fez o irresponsável André Forastieri, perguntar sobre a dívida de R$ 18 bilhões que o Itaú tem com o Tesouro, mesmo assim, quero saber: e aí, Forastieri, madame continua dizendo que, mesmo sendo dona do banco, não tem nada a ver com isso?) enfim, para não ser leviano e evitar maledicências, basta, meu caro Dimenstein, fazer uma conta simples.

Vá até a periferia onde você diz que madame desenvolve seus projetos de inclusão. Restrinja sua visita a um raio de dois quarteirões dos tais projetos, não mais que isso. Quantas agências do Itaú você encontrou por lá? Quantas escolas?

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