Merval: uma questão de estilo continuado



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Brizola Neto lembrou há dias que Merval Pereira era o repórter da tentativa de difamação (definida no Art. 139 do Código Penal, como tentativa de imputar a alguém fato ofensivo à sua reputação) na referida reportagem do Globo. A acusação, estampada em primeira página, era de que o então candidato à Presidência da República, em 1989, fora fotografado ao lado do traficante Eureka, da Rocinha.
Não era.

O Globo foi condenado a dar direitos de respostas, mas continuou perseguindo o rapaz, na verdade, um líder comunitário chamado José Roque.

O texto abaixo é de Caio Túlio Costa, á época ombudsman da Folha. Funciona como um documento importante para ajudar as novas gerações a não cometerem os mesmos equívocos.
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Receitas para perseguir um candidato

São Paulo, domingo, 29 de outubro de 1989
CAIO TÚLIO COSTA

Na disputada imprensa brasileira para saber quem persegue melhor um candidato, o jornal "O Globo" leva o melhor prêmio esta semana. O alvo foi Leonel Brizola, do PDT. A Folha também concorreu mas não conseguiu suplantar o desafiante carioca.

"O Globo" estava praticamente "fechado" na quinta-feira, na finalidade os preparativos para entrar nas rotinas, quando recebeu uma informação, via jornal "O Dia", de que a polícia havia estourado um ponto de tráfico e achara uma foto de Brizola abraçando um traficante. O jornal segurou sua primeira página e despachou equipe para o local. 

Lá recolheu informações, dada por um detetive-inspetor da polícia, Horácio Reis, de que Brizola estava abraçando Eureka, um traficante. A noticia acompanhada da foto do abraço ganhou destaque na primeira página de sexta-feira : "polícia acha pôster de Brizola com traficante". A foto ocupava parte da cabeça do jornal e a legenda dizia que Brizola estava "sorrindo e abraçado com o traficante Eureka". 

O jornal começou a ser impresso com a informação apenas na sua capa mas foi rapidamente providenciado um segundo clichê e ela também foi incluída nas páginas internas, na seção Grande Rio. Houve uma decisão de tratar o assunto como caso de polícia. "Registramos uma coisa que nos parecia escandalosa", disse a este colunista o diretor de Redação do "O Globo", Evandro Carlos de Andrade. 

Quando o jornal surgiu nas bancas foi o maior estrago. O rapaz apareceu e disse que não é o traficante Eureka, chama-se José Roque Ferreira, tem 39 anos, foi candidato a vereador no Rio e preside a Associação de Moradores Morro do Telégrafo, em Mangueira. Esta última informação o próprio " O Globo" tinha na quinta-feira mas não deu importância, preferiu confiar no inspetor Horácio Reis. "Era a responsabilidade política de um policial", afirma Evandro. O diretor do jornal argumenta ainda da que "não se podia, em função do horário, fazer uma apuração rigorosa". 

Agora o "O Globo" está sendo processado. Brizola entrou com queixa na Justiça comum (calúnia) e outra na Justiça Eleitoral. Quer direito de resposta. O "O Globo" terá que retratar-se uma vez provado que errou. Mas "O Globo" continua investigando a vida de José Roque (que desafiou a polícia a prendê-lo) e reafirmou na sua edição de ontem que o detetive-inspetor Horácio Reis tem certeza de que Roque é ligado ao comércio de entorpecentes. Conforme Evandro, "ainda fica alguma coisa no ar pela indicação do detetive-delegado". 

Qual a razão de tudo isto? Por que um jornal se apressa em publicar determinados fatos contra alguém? Critério jornalístico não é uma resposta válida. O ombudsman do jornal espanhol "El País" costuma repetir um velho principio do jornalismo segundo quem uma única fonte é insuficiente para bem redigir uma notícia e é desastrosa para redigir uma boa reportagem.

No afã de atingir Brizola bastou a palavra de um inspetor da polícia carioca para levar o jornal a abrir na sua capa um assunto que "aparentava" ser quente. Tentou bater em Brizola e acabou batido, dada a repercussão do caso. E o candidato ganhou mais munição para sua campanha.

Sem reconhecer objetivamente que errou - na esperança de que ao guardar a decisão da Justiça o tempo passe e o assunto morra. "O Globo" perde ainda mais pontos. Não há demérito em recolher erros. Está certo, o jornal deu espaço ontem tanto para Brizola quanto para o rapaz ofendido, mostrou em título e chamada de capa que o secretário de Polícia Civil do Rio diz que não há informações sobre seu envolvimento com tráfico. No entanto, não reconheceu o erro porque ainda não se acha de todo errado apesar das evidências em contrário. 
(...)

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