Caro, no Brasil, é a elite

Por: Fernando Brito



O Globo e o Estadão  publicam hoje duas matérias sobre empregos e salários.

Na primeira, O Globo conta que os salários dos executivos, gerentes e profissionais de ponta, em grandes empresas em operação no Brasil superaram os da Europa e dos Estados Unidos.Chegam a ser quase o dobro.

Na segunda, o Estadão  fala de milhares de jovens que, nas favelas que receberam as Unidades de Polícia Pacificadora, no Rio de Janeiro, quando conseguem trabalho, é por R$ 800, como ajudantes em obras.
Uma abordagem econômica convencional nada veria de estranho entre as duas informações.

Afinal, o trabalho humano, por esta ótica, equipara-se a qualquer mercadoria e será precificado de acordo com sua abundância e qualidade.

Mas as sociedades humanas não são um mercado e as pessoas não são simples mercadorias.

A sustentabilidade das estruturas sociais, ao longo da história, já se provou dependente de sua capacidade de distribuir, de buscar um ponto sempre mais próximo do equilíbrio em matéria de direitos, um conceito que é inseparável da apropriação da riqueza.

Dos primórdios da organização do trabalho comunal ao moderno capitalismo financeiro, a duração das organizações sociais esteve íntimamente ligada à sua capacidade não apenas de prover meio de subsistência – ainda que precários – a todos os seus integrantes e resistir em classes – cada vez menos impermeáveis – à distribuição do trabalho e da renda.

O capitalismo pós-guerra fez frente à ideia socialista com a expansão do conceito de Estado como uma espécie de grande reservatório, abastecido pelos impostos cobrados às empresas e rendas e capaz de irrigar as sociedades com direitos relativamente homogêneos em matéria de serviços básicos: educação, saúde, aposentadorias, etc…

Os salários tenderam a aproximar-se de uma situação de equilíbrio, por lá, que tem níveis chocantes se comparados ao dos países tradicionalmente “subdesenvolvidos”, como você pode ver nesta tabela produzida em 2008 pela Organização Internacional do Trabalho, que compara a relação entre as massa salarial dos 10% mais bem remunerados com os 10% de menor renda pelo trabalho.

Se este modelo é ou não viável, como a situação europeia coloca em xeque, é outra questão. Pode-se alegar que não, porque estão como estão; pode-se dizer que sim, porque a insolvência provém, em grande parte, da sangria que fizeram os estados nacionais para evitar a ruína de seus sistemas financeiros privados.

O fato é, porém, que este foi o modelo vivido, o que garantiu seis décadas de estabilidade no pós-guerra e o que jogou por terra, politicamente, o socialismo – distorcido ou não – como projeto ou utopia de sistema econômico.

O Brasil que as duas matérias revelam é anterior a esta polêmica.

Não democratizamos a renda do trabalho, e “democratizamos” às avessas as receitas tributárias.

Um assalariado modesto deixa mais de 40% da renda de seu trabalho – a única que possui – em impostos.
Um rentista, raramente mais do que a metade disso.

A elite brasileira resiste ferozmente a qualquer mudança neste perfil.
Um imposto de 0,1% sobre as movimentações financeiras de alto valor é uma heresia, mas não é uma heresia termos uma imensa renúncia fiscal sobre despesas médicas de qualquer natureza e valor, que nos custam cerca de R$ 10 bilhões em renúncia fiscal, se consideradas as relativas à indústria farmacêutica.

A ideia de fazer a contribuição previdenciária – este “fantasma” do “custo Brasil” – incidir sobre o faturamento e não sobre a folha de salários, oferecida pelo Governo Federal nos planos de reaquecimento de alguns setores da indústria foi recebida com um “não, obrigado” pelos empresários.

A ausência de limites em valores absolutos à renúncia fiscal relativas à aplicação em planos privados de previdência é, também, outro item “imexível”, embora toda a sociedade pague, com ela, pelas aplicações financeiras – pois isso é o que são – dedutíveis no Imposto de Renda.

Os personagens retratados na primeira matéria, os de alta remuneração, não podem ser atingidos por medidas fiscais. Os garotos da segunda matéria podem ficar sem escola, saúde e mecanismos de promoção social.

Por sorte, ainda têm emprego, embora os “sábios” do nosso neoliberalismo andem, como fez o ex-ministro do Trabalho de FHC, Edward Amadeo, sugerindo um pouco mais de desemprego para ajudar a levar a inflação para a meta.

É, essa gente é muito cara, porque qualquer salariozinho já sai comprando geladeira, TV, celular e até computador.

Mas as camadas mais bem remuneradas, estas iluminadas, podem ganhar tal como – e ainda mais – que seus congêneres europeus e americanos. Merecem, está bem. Mas, sem querer ofender, será que poderiam pagar impostos como os que pagam por lá?

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