Os bastidores do Google

Nassif

Funcionário nº 59 do Google revela bastidores em livro
TIM ADAMS
DO "GUARDIAN"

Com 40 anos, Douglas Edwards, um executivo de marketing do jornal "San Jose Mercury News", acreditava estar passando pela crise da meia-idade. O que ocorria na verdade, segundo ele, era um renascimento. Como em toda segunda vinda, houve um elemento milagroso nessa história. O "Mercury News" se formou como o jornal do Vale do Silício e, desde o fim dos anos 90, as notícias eram baseadas na corrida pelo ouro das startups de internet. Edwards sentou na primeira fileira e acompanhou toda a excitação do momento.

Ele lembra que queria "ficar próximo da internet de verdade; próximo o bastante a ponto de pegar um cabo e sentir a vibração de milhões de pessoas se comunicando ao redor do globo". Ele vasculhou os pequenos anunciantes para entrar no negócio, "para liderar o próximo Yahoo!, um negócio que eu previ rapidamente que seria fogo de palha". Certo dia, em um encontro, um colega mencionou uma pequena empresa em sua lista de clientes que Edwards deveria cultivar.

"Esse Google, o que eles fazem?", ele perguntou ao colega.
"Busca na internet."
"Busca? Ah. Boa sorte com isso", disse Edwards, perdendo o interesse.

Meses depois, no entanto, ele estava em um escritório em um prédio bege no Vale do Silício sendo entrevistado por um jovem chamado Sergey Brin, que estava usando roupas de hockey e perguntando para Edwards "dizer algo complicado que eu ainda não sei". Edwards pensou em falar para Brin como trocar uma fralda, mas acabou escolhendo uma resposta sobre a "teoria geral de marketing" que durou 10 minutos, enquanto seu entrevistador ouvia e mexia em uma bola de borracha.

No entanto, algo que Edwards disse deve ter valido. Ele conseguiu o emprego e se tornou o funcionário número 59 do Google: gerente de marca. Edwards pensou na época que esse Google poderia durar apenas seis meses, mas, pelo menos, adentrando no novo milênio digital, poderia ser divertido e ele criaria uma credibilidade no mundo tecnológico para colocar em seu currículo, ao lado de 20 anos de experiência no mercado de notícias que dependem de árvores mortas.

No caso, Edwards ficou cinco anos e meio no Google. Ele e os 58 funcionários que entraram antes dele ficaram mais ricos e tiveram mais sucesso durante esses anos do que qualquer um deles (com a possível exceção do infinitamente confiante Sergey Brin e o cofundador, Larry Page) poderia imaginar. A marca que Edwards gerenciou --que pouco antes de ele chegar era chamada de "BackRub"-- se tornou em pouco tempo uma das marcas mais reconhecidas (e amadas) do mundo.

As memórias de Edwards desses anos, sem surpresa alguma, receberam como título a frase aventureira da página de buscas original do Google: "Estou com sorte". Ao conversar com Edwards hoje, em sua casa na Califórnia, eu me pergunto se ele ainda acredita em tanta sorte assim?


Capa do livro "I'm Feeling Lucky", de Douglas Edwards
Capa do livro "I'm Feeling Lucky", de Douglas Edwards

"Não de uma forma racional", ele diz. "Mas uma fortuna escandalosa era uma espécie de irradiação que ocorria no pano de fundo naquela época em parte da Califórnia. Eu tenho amigos que tiveram sucesso rapidamente. Se eu achei que isso aconteceria comigo? Não. Mas não foi muito além dos limites possíveis".

Edwards sugere que, quando começou no Google, pensou que o haviam contratado porque ele poderia levar um pouco de rigor adulto à jovem organização; ele pensou que eles poderiam querer usar seu conhecimento para saber como deveriam construir a empresa. Rapidamente, essa ideia se foi. Rigor organizacional ou hierarquia era a última coisa que Brin e Page queriam. Em vez disso, pediram para Edwards esquecer tudo o que sabia sobre marketing e começar tudo com uma página em branco. Uma página de busca em branco.

Desde o início, o Google exigia a imersão total daqueles que realmente acreditavam na causa. Todas as startups de sucesso neste período tinham essa qualidade de culto, sugere Edwards: Yahoo!, Netscape e Amazon funcionavam em linhas carismáticas, "mas o Google, penso, talvez tenha sido um pouco mais intenso do que isso".

Como um homem de marketing, ele sentiu que incorporou a marca de alguma forma. "Durante um tempo, tudo o que eu tinha levava a logomarca do Google: guarda-chuvas, toalhas, camisetas, bermudas... Estava em cada caneta que eu usava e em cada pedaço de papel. O Google levou embora, de certa forma, meu senso de quem eu era. E isso foi pior para algumas pessoas que foram para lá direto da faculdade."

MEDO DE NÃO ESTAR LÁ
Edwards conversou recentemente com um amigo que ainda está na empresa, outro que entrou no início, se sentindo com sorte. Esse amigo poderia facilmente se aposentar hoje e usar o resto de sua vida viajando pelo mundo em um iate, diz Edwards, mas ele não se sente capaz de sair de lá. Quando Edwards o perguntou a razão, o amigo deu uma série de razões: "primeiro, ele é muito interessado em tecnologia, e não há empresa com melhores ferramentas, melhor sistema de dados, do que o Google. E a outra razão é: ele tem medo de sair. O Google foi seu único emprego e ele não sabe bem o que fazer além disso. Ele tinha medo de não estar lá."


Larry Page (embaixo), e Sergey Brin, cofundadores do Google, em registro de 2004 na sede da empresa

Larry Page (embaixo), e Sergey Brin, cofundadores do Google, em registro de 2004 na sede da empresa
Grande parte dessa conexão institucional foi enraizada nos primeiro anos da empresa, descritos vividamente no livro de Edwards, quando tudo parecia novo e o mundo parecia esperar para ser "googlado". A maioria dos primeiros funcionários que já deixaram a empresa, segundo Edwards, tentam até hoje replicar essa sensação, mexendo com capital de risco. "Eles querem recapturar aquele raio em uma garrafa criando novas empresas", ele diz.

Alguns deles obtiveram sucesso, segundo ele, por terem criado empresas que foram compradas pelo Google ou pelo Facebook. Para Edwards, no entanto, ter aquela sensação uma vez foi o bastante, e hoje ele passa grande parte de seu tempo com organizações sem fins lucrativos, e descansa com sua família, que não o via muito quando ele era o funcionário número 59.

Uma das coisas que ficam mais claras em seu livro é a noção de que Page e Brin nunca duvidaram do eventual domínio do algoritmo de busca que eles criaram. Tudo indica que eles foram movidos por uma rara combinação de lógica e visão.

"Eles acreditavam muito em suas ideias, em partes porque eram realmente boas ideias", diz Edwards. "Eu identificaria Larry como o visionário; ele estava sempre pensando: onde tudo isso estará após 20 anos de estrada?"

ÓDIO À PUBLICIDADE

Se existem pontos cegos --como o falha do Google ao enxergar a importância das redes sociais, por exemplo--, eles surgiram da personalidade de Page: "Larry não é o tipo de cara que você imagina sentado no meio da tarde atualizando seu status no Facebook", diz Edwards. "Então ele simplesmente não enxergava isso." Da mesma forma, Brin e Page claramente odiavam a ideia de publicidade: eles acreditavam que boas ideias se venderiam sozinhas. Edwards mostra que eles também eram espertos o bastante para fazer o pessoal que acreditava em publicidade embarcar em suas ideias. "A empresa era do tipo 'de cima para baixo'."

Para Edwards, se existia algum tipo de fraqueza presente no DNA inicial, era o fato de Brin e Page acreditarem piamente que a genialidade engenheira de ambos seria a solução para todos os problemas. Enquanto esteve na empresa, Edwards percebeu que o problema era que o "Google era cheio de pessoas racionais, mas infelizmente o resto do mundo não era".

No início, esses problemas não eram tão grandes. "Quando o Google começou, nossos obstáculos eram basicamente outras empresas --Yahoo! e outras. Esses obstáculos poderiam ser ultrapassados com tecnologia superior. Mas quando o obstáculo é, digamos, a China, é um tipo diferente de desafio. Acho que agora eles entenderam que há limites para a aplicação de destreza, problemas que a tecnologia não pode resolver."

Edwards me conta a história de Sergey Brin indo a Washington no início da empresa. "Ele tentou simplesmente entrar no Congresso americano para conhecer os congressistas, porque ele era Sergey Brin, e quem não iria querer conversar com ele? Eles o fizeram ficar esperando e esperando. Isso foi bem importante. Agora, o Google tem um presença de lobby maciça, doa dinheiro para os dois partidos americanos e começa a lembrar a Microsoft em suas atitudes em relação ao processo político."

A diferença que Edwards fez, ele acredita, foi humanizar um pouco a tal racionalidade, de lembrar sempre que seus usuários eram pessoas, não programadores. A ideia mais radical de publicidade --de mudar a logomarca quase todos os dias-- não foi dele, e sim de Brin. Mas Edwards gosta de pensar que pelo menos sua voz suavizou algumas das arestas que caracterizavam boa parte das empresas de tecnologia "e permitiu que o Google crescesse mais rapidamente na confiança dos usuários do que, por exemplo, a Microsoft."

FERRARI E AVIÕES

Seu livro e suas lembranças podem ser divididos entre o antes e o depois da entrada do Google no mercado de ações, em 2004. Antes ainda existia um tempo de inocência; depois, era difícil ignorar o dinheiro. Na noite anterior à oferta pública inicial de ações (IPO, em inglês), os engenheiros do Google foram avisados de que se qualquer um deles aparecesse no dia seguinte com uma Ferrari, ela seria remodelada com tacos de beisebol. No dia, alguns deles foram às ruas e compraram aviões. Só porque eles podiam.

"Eles eram todos caras bem humildes", diz Edwards. "E as pessoas sofrem muito para não mostrar que elas não são milionárias ou bilionárias em seus empregos. Mas isso mudou definitivamente a cultura da empresa. Uma das pessoas do livro pediu para eu não mencionar seu nome porque ele não queria que as pessoas soubessem há quanto tempo ele estava lá, que ele foi um dos primeiros. Ele não queria ser tratado como um 'googler' da era pré-IPO."

Uma das perguntas que Edwards mais ouve no Vale do Silício quando diz que trabalhou no Google é: "Qual é o número do seu crachá?" Assim, as pessoas podem descobrir boa parte do que ele fez. Apesar de ter estado na empresa quase desde o início, ele foi um dos capazes de deixar tudo para trás. Inevitavelmente, o dinheiro fez as coisas ficarem mais sérias.

"Minha chefe saiu no fim de 2004", conta. "Eu e ela éramos grandes amigos, e após a saída dela ficou claro que começaria o tipo de burocracia que me fez fugir para o Google. Ficou algo bem focado em métricas: você tinha seu lugar no organograma e tinha que alcançar esta ou aquela medida para ir ao próximo nível. Não parecia algo muito divertido."

Atualmente, quando ele entra no Google, não é a mesma coisa do que nos velhos tempos, diz. Mas ele ainda tem a sensação e a crença de que "pessoas inteligentes, motivadas em fazer coisas melhores, podem fazer quase tudo". Edwards sabe bem disso; ele presenciou um milagre surgindo e sobreviveu para contar a história.

Tradução de LEONARDO MARTINS

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