A crítica aos Alcoólicos Anônimos

Nassif

Da Folha
Grupo dos Alcoólicos Anônimos tem a sua eficácia contestada

Pesquisa da Unifesp mostra que menos da metade dos frequentadores permanece no AA após três meses
Apesar da fama, método tem o pior resultado na recuperação de dependentes, mostra estudo
Pesquisa mostra baixa adesão ao programa contra o alcoolismo; livro recém-lançado também critica AA
MARIANA VERSOLATO
DE SÃO PAULO

Em uma entrevista desvairada, o ator americano Charlie Sheen atacou os Alcoólicos Anônimos, dizendo ter sido "acorrentado e oprimido" nesse "culto" por 22 anos.

Sheen não é lá um modelo de paciente. Mas deu voz a um silencioso grupo de alcoólatras que não se acham no grupo de ajuda mútua criado há 71 anos nos EUA, e replicado mundo afora.

Aqui, pesquisa da Unifesp mostrou que menos da metade dos frequentadores permanece no AA após três meses, e que a técnica é a menos eficaz contra alcoolismo.

Isso, apesar da crença geral de que o AA tem sucesso em recuperar dependentes.

Os resultados do estudo afirmam que, depois de seis meses, a taxa de abstinência de seus frequentadores é de 9%, em comparação com taxa de 10% entre os que não fazem tratamento e de até 36% dos que combinam remédios e terapia.

O motivo mais alegado pelos que não se adaptaram é a falta de identificação com a filosofia do AA. Outras razões são o clima pesado e a falta de credibilidade ("parece um teatro, os frequentadores não parecem estar sóbrios e há muita demagogia", disseram voluntários da pesquisa).
CRÍTICAS INCOMUNS

"O AA se diz o melhor tratamento, mas, do ponto de vista científico, só é muito bom para uma minoria", diz Dartiu Xavier, psiquiatra e um dos autores do estudo.

Segundo o antropólogo e professor da USP Edemilson Antunes de Campos, que fez tese de doutorado sobre o AA após frequentar reuniões por um ano, críticas ao grupo não são comuns no Brasil.

Aqui, o grupo tem grande aceitação: o Brasil é o terceiro país com mais membros, atrás dos EUA e do México.

"Na França, o AA é visto como seita que contraria valores laicos. Aqui, não."

O cunho religioso do AA é justamente um dos pontos da crítica que Luiz Alberto Bahia, conselheiro de drogadição, faz no seu recém-lançado "O Mito da Doença Espiritual na Dependência de Álcool" (O Lutador, 381 págs.).
Bahia é ex-frequentador do AA e fundador de grupos de ajuda mútua em Minas.

"No AA, o dependente é tratado como pecador e deve aceitar um programa espiritual para ser curado", critica.

Já para Campos, o alcoólatra se reconstrói no AA a partir da imagem do poder superior. "No AA, o alcoólatra nunca será autônomo; ele deve se reconhecer limitado, o que pode incomodar, mas é essencial à abstinência."

Para Bahia, os abstêmios foram doutrinados. "O AA tira a liberdade deles, que trocam uma droga por outra."

Campos, de outro lado, diz que frequentadores até afirmam ser dependentes do grupo, mas têm a chance de escolher entre beber ou não. "O sujeito recupera o controle da vida por meio de um suporte coletivo para reconstruir laços afetivos, sociais e profissionais", justifica.

Para Bahia, o AA é baseado numa ideia antiga de que vício é desvio de caráter.

"O programa estigmatiza o paciente, e a sociedade tem uma visão deturpada do alcoolismo por causa dele."

Segundo o psiquiatra Xavier, a maioria dos dependentes tem outros problemas psiquiátricos. "Quem chega no AA não tem isso diagnosticado e, segundo seu conceito original, não pode usar remédio, considerado droga."

Um quarto dos dependentes têm alguma fobia social. E 80% deles começaram a beber por causa disso. "Aí não faz sentido frequentar o AA, mas tratar a causa."

Outra crítica é a rigidez . Segundo Xavier, as recaídas fazem parte do processo de recuperação. Mas, no AA, são consideradas fracasso.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd2703201101.htm

DEPOIMENTO
"Lá, as pessoas falam o tempo todo de bebida'
Roberta, 42, é alcoólatra desde os 26. O problema começou quando trabalhava como barwoman. Frequentou o AA, não se adaptou. Hoje, virou funcionária pública e se trata com terapia e remédios.
 
"Frequentei o AA quatro meses. Achei ultrapassado, deprimente. Saía tremendo das reuniões, com mais vontade de beber.

Lá, as pessoas falam o tempo todo de álcool. Não acho que isso ajude.

A facilidade de chegar é a única coisa boa. Não tem triagem, ninguém pergunta seu nome. É bom acolher quem tem vergonha.

Mas se alguém falta, já dizem: "Será que fulano não veio por que bebeu?".

Não vejo o AA como método terapêutico. As pessoas depõem, mas não têm nenhum retorno.

Eu era chef de bar em restaurantes. Foi um gatilho. Era a raposa cuidando do galinheiro. Bebia o bar todo, me descontrolava.

Eu mesma me internei quatro vezes. Fui ao AA porque todos falavam que era bom. Funciona, para alguns. Para mim, não."

TAXAS DE ABSTINÊNCIADE CADA TRATAMENTO

9% 
Alcoólicos Anônimos

10% 
Nenhum tratamento

14% a 19% 
Psicoterapia

16% a 21% 
Medicação

33% a 36% 
Combinação de medicação e psicoterapia

TIPOS DE TRATAMENTOPARA O ALCOOLISMO

- Alcoólicos Anônimos e outros grupos de ajuda mútua que seguem ou não os 12 passos do AA
- Psicoterapia
- Remédios que diminuem o desejo pelo álcool e antidepressivos
- Combinação de psicoterapia e medicação
- Internação, em casos de problemas mentais e doenças associadas
Fonte: Dartiu Xavier, psiquiatra

OUTRO LADO
"Não somos exclusivistas nem temos pretensão de onipotência"
DE SÃO PAULO

Coordenadores de divulgação do AA, Hugo e Silvio dizem que o método não tem a pretensão da onipotência. "Se alguém pode ser internado, ir ao AA e fazer terapia, estará mais coberto. Não há concorrência, não somos exclusivistas", disse Hugo.

Para ele, os motivos que levam à desistência do tratamento são as características da própria doença.

Sobre o fato de muitos dos frequentadores terem outras doenças, Hugo diz: "Não somos profissionais da saúde para diagnosticar. Hoje o AA aceita que a pessoa tome antidepressivo. Há bebedores com outras doenças psiquiátricas. Se não pudermos resolver, passamos a bola."

De acordo com Hugo, não é preciso retorno para as falas. A pessoa é apoiada pelo grupo e se identifica com ele.

Em relação à crítica ao cunho religioso, Hugo diz: "Nossa experiência é comprovada e vem de correntes psicológicas, médicas e religiosas, sim, mas também há ateus, espíritas e umbandistas que frequentam o AA."

Um dos 12 passos fala de um ser superior, mas, segundo Hugo, cada um o interpreta como quiser. Para alguns, esse ser é o próprio AA.

Silvio afirma que o AA não é rígido. "Tentamos prevenir a recaída. Mas ela não nos surpreende. Ninguém é estigmatizado por isso."

À afirmação de Charlie Sheen, que disse que o AA é um culto, Hugo responde: "Há, sim, frequentadores fanáticos. Mas essa não é uma característica da entidade."
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd2703201102.htm

Por Anônimo
frequentei o AA por 7 anos. Nos 3 primeiros consegui ficar absolutamente abstêmio. Depois da primeira recaída, apesar de minha insistência eu não consegui mais permanecer por tanto tempo sem recair de novo, e de novo.

Tem alguns aspectos que eu critico no AA e não é porque não consegui resolver meu problema de bebedor-problema:

1. a questão religiosa: "Entregar sua vida ao Poder Superior (como cov6e o concebe) e deixar que Ele lhe tire os defeitos de caráter" para com isso você parar de beber compulsivamente. Esse negócio de doença espiritual não funciona para um ateu convicto.

2. a hipocrisia da maioria dos membros, principalmente os mais veteranos, que pregam arrogante e orgulhosamente a humildade mas que me lembram o tempo todo os prosélitos fundamentalistas de qualquer religião: "como cremos, somos melhores que você!" E, se você contesta isso é por que a sua arrogância e mente alcoólica não lhe permite ver como somos humildes e mansos.

3. a discriminação entre os membros e entre Grupos: social, econômica e cultural apesar de um discurso de "somos todos iguais diante de nossa doença". Em cidades que tem mais de um grupo, tem os grupos estratificados como a própria sociedade, mas o discurso é de uma igualdade que não existe na prática.

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