Taxa de juros: um desafio para Dilma

O ano vai acabando e os olhos começam a se voltar todos para a cerimônia de posse da primeira presidenta (sim, eu considero importante, em especial nesse caso, ressaltar o gênero feminino do substantivo “presidente”, como nos ensina o Houaiss!) do Brasil, bem como para as avaliações iniciais daquela que deverá ser a composição de sua primeira equipe ministerial.

Um dos aspectos que, a meu ver, mais deveriam chamar a atenção dos analistas é aquele relativo aos integrantes da chamada área econômica. Esse quadro é mais bem definido se pensarmos na composição do Conselho Monetário Nacional (CMN), colegiado que deveria definir as linhas gerais da política econômica do governo. De acordo com o art. 8° da Lei n° 9069, de 1995, ali tomam assento apenas os titulares do Ministério da Fazenda, do Ministério do Planejamento e do Banco Central. Mas é bom registrar que nem sempre foi assim no passado. Desde a sua criação, logo após o golpe de 1964, houve 19 alterações na composição desse órgão. Entra Ministério, sai Ministério, mudam-se os membros, e na segunda metade da década de 80 o CMN chegou a ser um colegiado com quase 30 integrantes.

Aceitando de bom grado a herança do governo FHC de um CMN bem enxuto, durante boa parte do primeiro mandato do Presidente Lula a reunião era composta por Antonio Palocci, Henrique Meirelles e Guido Mantega. A fotografia da trinca dava bem o tom das tendências ortodoxas e conservadoras da equipe responsável pela economia do País, com seu viés altamente financista, que marcariam tal período. Tendo obtido carta branca do Presidente para fazer e desfazer tudo o que fosse considerado necessário, a duplinha dinâmica Meirelles/Palocci deixou uma triste marca na história recente de nosso País. Uma das poucas vozes internas ao governo a explicitar sua reclamação a respeito da condução da política monetária, ao longo dos 8 anos, foi a do Vice Presidente, José de Alencar, um incansável lutador, em vários sentidos da palavra.

No entanto, o quadro poderá ser bastante diferente a partir de janeiro próximo. A serem confirmados os nomes anunciados até o momento, a composição futura do CMN será de Mantega, Miriam Belchior e Alexandre Tombini. Ou seja, em princípio, uma equipe menos pautada pelos interesses mais imediatos do mercado financeiro e - espera-se! - com algum grau de heterodoxia e flexibilidade presente na alma de seus integrantes. Mas talvez o mais relevante seja mesmo a figura ausente da foto: a Presidenta da República. Ao contrário de Lula, Dilma tem formação na área econômica, domina os conceitos em pauta e já mencionou mais de uma vez a sua intenção e a necessidade de promover a redução da taxa de juros no País. Além disso, como já cansamos de afirmar anteriormente, nossa Constituição determina que os ministros sejam nomeados pelo ocupante da Presidência da República – são cargos de confiança. Muita gente aposta que, ao contrário do que ocorria da equipe econômica de Lula, os subordinados de Dilma não terão tanta autonomia assim, particularmente nas questões essenciais da matéria. Aguardemos e veremos.

Uma boa oportunidade será a avaliar os resultados da primeira reunião do CMN ou do Comitê de Política Monetária (COPOM) em 2011. A nova diretoria do BC será, em sua maior parte, composta por pessoas indicadas pela futura Presidenta. E sabemos que é deste último colegiado que saem as decisões a respeito do patamar da taxa de juros oficial, a SELIC. Henrique Meirelles, em sua despedida após 8 longos anos à frente do BC e do COPOM, deixou, porém, uma pequena lembrancinha para Dilma Roussef. Uns dirão, coisa à toa, bobagem... Pode ser, mas ela é carregada de forte simbolismo. Confira comigo.

No dia 22 de dezembro foi divulgado o Relatório de Inflação do Banco Central, que deve orientar os tais “agentes do mercado” em suas avaliações a respeito do futuro de nossa economia. Em meio ao longo e detalhado texto, entremeado de planilhas e tabelas, uma frase merece destaque. Transcrevo-a aqui em baixo:

"Importante destacar que, no regime de metas para a inflação, desvios em relação à meta, na magnitude dos implícitos nessas projeções, sugerem necessidade de implementação, no curto prazo, de ajuste na taxa básica de juros, de forma a conter o descompasso entre o ritmo de expansão da demanda doméstica e a capacidade produtiva da economia, bem como de reforçar a ancoragem das expectativas de inflação." (1) (GN)

Trata-se, portanto, de uma mensagem quase nada cifrada. Qualquer indivíduo minimamente envolvido com as artes e as manhas do mercado financeiro e da linguagem do poder do capital é capaz de traduzir o espírito e as intenções subjacentes a algumas frases, como que inocentemente, plantadas em meio a um longo relatório da autoridade monetária. Fossem os membros do COPOM os mesmos da reunião que optou por não reduzir a SELIC e a manteve em 10,75% em 7 e 8 de dezembro, as apostas seriam quase unânimes. A taxa deveria mesmo subir na primeira reunião de 2011. E esse é justamente o desafio colocado para a futura presidenta.

Porém, para a grande maioria de nós, “simples mortais”, faz-se necessário um esforço de tradução do economês e de seu dialeto particular, o financês. Afinal, o que está dito ali em cima? Pois então, vamos aos poucos. A reunião havia mantido a SELIC. Mas o Relatório, divulgado logo a seguir, 2 semanas após, resolve indicar a “necessidade de implementação, no curto prazo, de ajuste na taxa básica de juros”. Em termos objetivos, significa que na próxima reunião do COPOM, que deve ocorrer em janeiro próximo, deveria ser feito um “ajuste” na SELIC. Um eufemismo para a pura e simples elevação da taxa oficial de juros. O argumento é o tal do “descompasso” entre o crescimento da demanda e a incapacidade da oferta em responder no curto prazo a tal movimento. Segundo essa lógica, qual seria o risco existente? A “desancoragem” das expectativas de inflação em relação à meta oficial de 4,5% de crescimento dos preços. Em poucas palavras, a possibilidade de volta ao cenário de inflação “descontrolada”, como gostam de usar no jargão do povo do mundo das finanças.

E as reações não se fizeram por esperar. Uma sólida instituição, de elevada credibilidade no setor de jogos de azar, conhecida como “mercado de juros futuros”, já abriu a sua temporada de apostas no mesmo dia de divulgação do Relatório. Ou seja, já tem muita gente graúda no mercado financeiro tentando ganhar dinheiro com as especulações a respeito da capacidade de Dilma cumprir ou não sua promessa de baixar os juros. Na verdade, tenta-se ganhar dinheiro, por um lado, e pressiona-se o governo, por outro , buscando criar o tal do “consenso do mercado” em torno da necessidade de elevação da SELIC. Dentre os inúmeros “especialistas do mercado financeiro”, as mesmas figurinhas carimbadas de sempre, ouvidos pelas editorias de economia dos grandes meios de comunicação para opinar em nome do tal do Sr. Mercado, já há quem “garanta” a subida para 12,25% !! Uma loucura!

Já comentei aqui a respeito de instrumentos alternativos para reduzir o risco de uma grande pressão de demanda sobre o crescimento da inflação. Dentre eles, a elevação do nível de depósito compulsório das instituições financeiras junto ao Banco Central. Apresenta o mesmo efeito de reduzir o volume de recursos monetários disponíveis para consumo na sociedade, sem que haja uma elevação da taxa de juros oficial. E sem provocar um maior comprometimento dos recursos orçamentários para o pagamento de juros da dívida pública nem contribuir ainda mas para a valorização do real frente às demais moedas estrangeiras.

Isso não significa, de forma alguma, que se deva desconsiderar o problema da inflação e muito menos subestimá-lo. Muito pelo contrário! Mas esse tema também espinhoso - a inflação - eu deixo para tratar com mais calma logo no início de 2011. Ah, sim, e aproveito para desejar que seja um bom ano para todos nós!

NOTA
(1) Para quem se interessar, o Relatório pode ser acessado no sítio do BC: http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/port/2010/12/ri201012c6p.pdf

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

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