Conjuntura desfavorável, estrutura nem tanto

Cesar Zucco no jornal Valor 



O ano eleitoral traz consigo o "império da conjuntura", quando cada fato ou factoide novo é examinado à exaustão por analistas e interpretações muitas vezes conflitantes são "repercutidas" pelas equipes de assessores e simpatizantes dos principais postulantes à Presidência.

É compreensível, e até mesmo justificável, que este esporte torne-se mania nacional. Afinal, a enxurrada de novidades potencialmente relevantes é tanta que a campanha presidencial - e consequentemente o país - parecem poder tomar um novo rumo a qualquer momento.

Há evidências, no entanto, de que talvez a conjuntura não seja tão relevante quanto tendemos a crer. As eleições presidenciais americanas, por exemplo, podem ser previstas com bastante precisão mais de um ano antes do pleito, com base em variáveis econômicas que mudam apenas lentamente. A intenção de voto do eleitor americano varia bastante, e às vezes bruscamente, ao longo do período eleitoral, mas teima em convergir para a estimativa "estrutural" feita antes mesmo de se conhecer a identidade dos candidatos.

Cenário econômico externo sugere que Dilma será reeleita

O Brasil difere dos Estados Unidos em muitos aspectos e não temos uma série longa de eleições para analisar. Cabe perguntar se é possível, dados os limites impostos pela existência de apenas seis eleições presidenciais, fugir da análise meramente conjuntural e tentar interpretar os sinais estruturais para a eleições de outubro.

Duas formas razoáveis de contornar a falta de dados incluem tanto a comparação do Brasil com países parecidos, quanto a mudança do foco da análise de resultados eleitorais para a aprovação de presidentes, para a qual temos uma série longa de dados.

Em países que, como o Brasil, exportam commodities e importam capital, duas variáveis econômicas internacionais - preços de commodities e a taxa de juros americanas - exercem forte influência sobre a economia doméstica, e, por sua vez, afetam o sucesso de presidentes. Estas duas variáveis podem ser combinadas num único indicador de "bons ventos" econômicos, que revela um mapa bastante intuitivo e acurado do cenário econômico internacional ao longo das últimas décadas para esses países: condições extremamente desfavoráveis nos anos 80, melhora progressiva até meados da década de 90, uma breve porém significativa deterioração no fim daquela década, e uma melhora sem precedentes a partir de 2002. O índice atingiu seu máximo em meados de 2011 e desde então vem caindo.

O índice de "bons ventos" tem um impacto muito grande na probabilidade que qualquer presidente latino-americano se reeleja ou eleja seu sucessor, e nos ajuda a entender por que poucos governos elegeram sucessor nos anos 80 ou na virada do século.

O índice explica também grande parte da variação da avaliação de presidentes brasileiros desde 1988. Seu impacto é indireto, afetando inúmeras variáveis econômicas domésticas como crescimento, inflação, desemprego, nível de renda e taxa de câmbio. Estes indicadores se combinam para afetar a percepção da população, mas a influência de cada uma depende muitas vezes do nível dos demais, e as associações entre eles tornam a tarefa de separar os efeitos de cada variável na aprovação longe de trivial. O uso do indicador externo, portanto, simplifica a análise ao passo em que retém grande poder explicativo.

Convém salientar um ponto fundamental que decorre da análise. Nós - assim como os demais latino-americanos - avaliamos governos com base em resultados que em grande parte não são causados ou controlados por eles. Atribuímos inteiramente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o sucesso econômico de seus governos desconsiderando que o cenário externo era extremamente favorável, e não descontamos o fato de a presidente Dilma Rousseff estar governando durante um período bem menos benigno. Este erro de atribuição, por sinal, é frequentemente cometido tanto por eleitores comuns quanto pelos mercados hiperinformados e racionais.

As vésperas do protestos de 2013, a taxa de avaliação positiva da presidente Dilma estava nos níveis previstos pelo contexto econômico internacional. Despencou, recuperou-se parcialmente, mas ainda está bastante abaixo dos cerca 55% que seria de se esperar hoje. O índice de "bons ventos" segue em queda, tendo baixado cerca de 20% desde o pico. Apesar da direção ser negativa, o seu nível é superior ao de 2006, e ainda bastante positivo em termos históricos.

Na falta de uma bola de cristal, o passado é o melhor guia para antecipar o futuro. Projetando um cenário razoavelmente pessimista para os próximos seis meses, com algum aumento na taxa de juros americana e queda adicional das commodities, a experiência dos últimos 25 anos indica que a presidente deveria chegar em outubro com mais de 45% de avaliações entre boa e ótima. Não há uma maneira precisa de traduzir esta popularidade em votos, mas sabe-se que ela tende a ser mais direta nas eleições em que o presidente é candidato a reeleição.

Em resumo, a não ser que tenhamos ingressado em um mundo completamente diferente do que existia antes de 2013, e que a avaliação do presidente tenha se desconectado de seus determinantes estruturais históricos - uma possibilidade que não podemos nem confirmar nem descartar - há poucas chances de o governo perder a eleição.

Apesar da minha ênfase em determinantes estruturais, é evidente que a conjuntura pode não colaborar. Porém, exceto por um cataclisma político da dimensão de um apagão elétrico, uma maioria esmagadora das pequenas e médias incógnitas conhecidas ou desconhecidas a serem realizadas entre agora e outubro teriam que desfavorecer o governo. Isso pode até acontecer, mas a probabilidade de tal conjunção é baixa.

Assim, este exercício sugere que a sensação difusa, porém geral, de que a eleição de 2014 será extremamente competitiva seja, talvez, fruto de uma valorização excessiva do conjuntural em detrimento do estrutural.

Cesar Zucco é cientista político, professor da FGV-Ebape e colunista convidado do Valor. Maria Cristina Fernandes volta a escrever em setembro

E-mail: cesar.zucco@fgv.br

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