Estadão libera cobertura sobre dossiê ANP

Nassif

Na semana passada acusei Ricardo Gandour, diretor de redação do Estadão, de ter vetado cobertura sobre o caso ANP (Agência Nacional de Petroleo). Hoje o Estadão finalmente voltou ao tema mas mostrando que ainda levará alguns dias para tomar pé da situação completa.

É caso grave que foi escondido pela velha mídia até hoje. E que inclui quebra do sigilo fiscal de um Ministro de Estado, Franklin Martins, seu irmão Vitor e familiares.

Para entender.

Na edição de 8 de abril de 2009 da revista Veja, o colunista Diogo Mainardi - que havia se tornado há tempos o canal preferencial de lobistas para a divulgação de dossiês falsos - publicou a coluna "A Operação Royalties".

Nela, falava de uma suposta operação da Polícia Federal, a "Operação Royalties", desdobramento da Operação Águas Profundas. E dizia estar de posse do relatório final do delegado da Polícia Federal responsável pelo inquérito:

"Nos primeiros meses de 2008, o delegado responsável pela Operação Royalties preparou um relatório sobre o resultado de suas investigações. O que tenho na minha frente, no computador, é justamente isto: a cópia integral desse relatório."

A partir daí, avançava em uma série de afirmações graves. Dava detalhes de cobrança de royalties no valor de R$ 1,3 bilhão da Petrobras, "a título de honorários". Dizia que o relatório tinha sido encaminhada ao diretor geral da PF, Luiz Fernando Correa. Depois de constatado que Vitor era irmão de Franklin Martins, o relatório teria sido abandonado, o delegado que comandava as investigações afastado e o superintendente da PF carioca promovido a corregedor-geral em Brasília. A "denúncia" visaria estimular a CPI da Petrobras.

O esquema de "pool" de mídia montado garantiu a repercussão. Como se vangloriaria Mainardi em seu podcast:

"Terça-feira. A denúncia sobre o desvio de dinheiro dos royalties do petróleo, envolvendo a ANP, foi a principal manchete do “Globo”. O jornal noticiou que já havia um inquérito no Ministério Público para apurar os fatos.
À noite, o Jornal Nacional deu dois furos. Em primeiro lugar, suas fontes na PF admitiram a existência do relatório revelado por mim, atribuindo-o ao setor de inteligência. Em segundo lugar, o Jornal Nacional descobriu que os dados contidos nesse relatório, como aqueles sobre Victor Martins, haviam sido excluídos do inquérito enviado ao Ministério Público. Onde eles foram parar? Foi o que perguntou o procurador Marcelo Freire."

Poucos dias depois, o Jornal Nacional constatou que o dossiê era falso. Deu uma pequena nota e sumiu com a notícia.

No dia 24 de setembro de 2009 (clique aqui) o Estadão deu matéria da sucursal do Rio informando que o autor do falso dossiê era Wilson Ferreira Pinna, agente federal aposentado e lotado na ANP. Mais, indentificou quebra de sigilo fiscal tanto de Vitor quanto de Franklin Martins:



"Após a revista "Veja" divulgar o dossiê em abril, o Ministério Público Federal constatou que o documento não estava no inquérito da Delegacia Fazendária, que apura corrupção nos repasses de royalties. A inexistência do dossiê levou o superintendente da PF no Rio, Angelo Gioia, a abrir novo inquérito. Por meio de representação à juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal, onde tramita o inquérito, foi pedida a prisão do agente, além de busca e apreensão na sua casa e na ANP. (...) Em maio, a PF descobriu um pendrive com o falso dossiê, as declarações de renda obtidas ilegalmente e as transcrições de gravações telefônicas. Não se sabe quem recebeu o pendrive, mas os policiais identificaram Pinna como o autor".

Depois dessa matéria, o tema desapareceu das páginas do Estadão - o que me levou a supor o veto da parte de Gandour.

Com o tempo, soube-se dos seguintes fatos, praticamente escondidos pela velha mídia:

1. Quem preparou o tal relatório foi uma quadrilha, por razões ainda não claramente identificadas. Sabia-se apenas que havia interesses grossos na jogada repassada para Mainardi.

2. Os tais R$ 1,3 bilhão - que se apontara como "honorários" - na verdade era o valor total de royalties cobrados por municípios fluminenses da Petrobras, em uma ação aberta muito antes de Martins ter sido indicado para a ANP. A própria Petrobras havia reconhecido a dívida, A discussão era sobre a forma de pagamento.

3. O elo final da jogada da quadrilha era a divulgação do falso dossiê por Mainardi. O tal dossiê continha quebra de sigilo fiscal de Vitor Martins e Franklin Martins.

Hoje aparentemente Gandour levantou o veto à divulgação e o Estadão voltou a praticar jornalismo:
PF mira servidores por quebra de sigilo
Funcionários do Serpro e da Procuradoria da Fazenda acessaram dados de ex-diretor da ANP, irmão do ex-ministro Franklin Martins
16 de fevereiro de 2011 | 0h 00


Marcelo Auler - O Estado de S.Paulo

Sete funcionários do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e um servidor administrativo da Procuradoria Regional da Fazenda Nacional terão de explicar na Polícia Federal os motivos pelos quais acessaram, em 2007, as declarações de renda do ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Vitor Martins, de seus familiares, incluindo seu irmão, o ex-ministro da Comunicação Social Franklin Martins, e de empresas ligadas à família.

Os dados sigilosos, armazenados em um pen drive, foram levados à Delegacia Fazendária da PF do Rio pelo agente federal aposentado Wilson Ferreira Pinna, na época assessor da ANP, com o intuito de provocar uma investigação contra Vitor e outros empregados da agência. Pinna foi denunciado na 2.ª Vara Federal Criminal do Rio por violação de sigilo funcional e quebra de sigilo telefônico. Ele é apontado pelo Ministério Público Federal como autor de um dossiê distribuído à imprensa em 2009, acusando Vitor, o então superintendente de Fiscalização, Jefferson Paranhos Santos, e outros servidores de se beneficiarem através de empresas de consultorias de seus familiares, contratadas por prefeituras interessadas em receber royalties de petróleo.

Um levantamento feito pela Corregedoria da Receita Federal demonstrou que os documentos com dados sigilosos reproduzidos no pen drive foram extraídos do banco de dados com a senha dos oito suspeitos. Como a Corregedoria não pode investigar servidores do Serpro e da Procuradoria da Fazenda, eles ainda não foram ouvidos para explicar por que acessaram e imprimiram as informações sigilosas. Seus depoimentos serão tomados na Delegacia Fazendária da PF, onde um inquérito complementar investiga quem ajudou Pinna a quebrar os sigilos.

Em nota ao Estado, o escritório da Corregedoria da Receita no Rio disse não ter competência legal "para apurar, e sobretudo punir, desvios de conduta perpetrados por servidores ou empregados integrantes de outros órgãos". "Os sete empregados do Serpro sempre fizeram parte do seu quadro interno, atuando na área de desenvolvimento de sistemas, não tendo histórico de cessão à Receita Federal do Brasil", afirma o texto. Até ontem, o Serpro e a Procuradoria da Fazenda desconheciam o caso.

As informações sobre a investigação da corregedoria foram encaminhadas à Justiça em novembro e estão anexadas na ação penal na qual Pinna é o único acusado, apesar de na PF e na Procuradoria da República existirem fortes suspeitas de que ele trabalhava associado a mais alguém da agência. Um vazamento de informações sobre a investigação, ocorrido no início do caso, teria inviabilizado algumas diligências policiais, entre as quais buscas e apreensões.

Grampo. No mesmo pen drive de Pinna havia a transcrição de uma conversa telefônica entre Jefferson e sua mulher, Olga Maria Guerra Fontes Santo, através de um ramal na sala do então superintendente. Esse grampo não tinha autorização judicial e teria sido feito por Pinna.

Na Justiça, a defesa do ex-assessor nega sua participação nas quebras de sigilo fiscal e telefônico. Segundo seu advogado, Otávio Neves, Pinna não nega que encaminhou o pen drive à polícia, mas diz que o recebeu em sua antiga sala da ANP sem saber quem o enviou. Vitor Martins estava ontem no exterior. Seu advogado, Tiago Martins Lins e Silva afirmou que o interesse é ver tudo apurado.

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