Universidade opressora, não passará e nem calará
Revista Forum - Blogueiras Negras
Única
mulher, negra e bolsista da PUC-Campinas no curso de Arquitetura e Urbanismo
entre 200 alunos narra sina de perseguições e ofensas racistas dentro da
universidade
Por Stephanie Ribeiro
Não é de hoje que discutimos o papel do negro nas universidades, erram
os que pensam que o assunto é cotas, mas sim a forma como as universidades se
preparam pra receber alunos negros, porque independente da que estamos falando,
quando o assunto são as grandes universidades brasileiras, públicas ou
particulares o acesso de negros é restrito, umas nem aderir a cotas raciais
tiveram coragem de fazer, porém não assumem também que são um ambiente branco e
elitizado. Por trás de toda uma película acadêmica de local “universal” se
esconde o racismo da Casa de Engenho, e parece que ninguém tem muita vontade de
quebrar essas barreiras. Mas se engana quem pensa que não vamos resistir,
invadir e ocupar esses espaços que são nossos também. Se o Brasil existe, ele
deve muito a nós, ao nosso trabalho não valorizado, a nossa luta que a mídia
não mostra, e a nossa inteligência também, que não é aproveitada porque nos
segregam e excluem. Porém o problema só aumenta quando se é MULHER e
NEGRA, a luta é duas vezes maior e as agressões tem mais do que uma motivação.
Eu sou estudante e bolsista de Arquitetura e Urbanismo, da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas, aonde eu sofro perseguição por conta das
minhas ideias, defesas e focos. Não achei que seria assim, não acreditei que
além de elitizado e branco, o ambiente também seria conformado e moralista,
alguns assuntos só podem ser ditos baixinho e com determinados alunos, porque
outros vivem numa bolha de ignorância que é praticamente impossível de ser
estourada e o racismo é evidente, não é à toa que negros só são maioria na
faxina e não na sala de aula.
O que acontece é que eu represento algo provocativo naquele local, e
junto com as ideias que eu tenho a situação é maior, mesmo que eu só queira ir
lá e ser uma Arquiteta e Urbanista, eu incomodo, e isso começou a dar indícios
quando o meu Facebook começou a se tornar assunto, eu não podia postar nada que
ia contra a “moral e bons costumes” que virava assunto de corredor, até ai eu
aceitei, o problema é que isso começou a resultar em agressões ainda mais
quando eu expus que era feminista, ao ponto de pixarem meu armário da faculdade
com a frase “Não ligamos para as bostas que você posta no Facebook”, sendo que
essa rede social tem ferramentas que permitem não só excluir como bloquear
usuários que te incomodam. Ou seja, é muito fácil não me ter nessa rede, mas
parece que não é essa opção que resolveram tomar, preferiram mensagens anônimas
e vário in box como os a seguir:
(Imagem: Reprodução/Facebook)
(Imagem: Reprodução/Facebook)
(Imagem: Reprodução/Facebook)
(Imagem: Reprodução/Facebook)
E assim foi 2012, quando procurei a secretária pra falar sobre meu
armário disseram que não podiam fazer nada e que as câmeras não gravavam e que
eu deveria dar nomes se quisesse que algo fosse feito, com o fim do ano nas
férias eu ainda recebia algumas mensagens, me perguntando o porquê de não ir
nas festas, o que me fez começar a ter receio de frequentar tais festas, porque
se essas pessoas me zoavam no corredor, me mandavam esses in box, e pixavam meu
armário, o que não poderiam fazer comigo se eu estivesse numa festa sozinha?
Então não frequento e não pretendo ir nas festas da minha faculdade.
Início de 2013, eu estava no segundo ano da faculdade, e comecei a fazer
alguns trabalhos em grupos, duplas e por ai vai, o que aconteceu é que no
primeiro semestre uma pessoa que dizia ser minha amiga, no meio de um trabalho
disse: “Não quero ser racista, mas já perceberam como negros normalmente fedem
mais que brancos, tem um cheiro mais forte.” Ei fiquei em choque, as pessoas
concordaram com aquilo, e eu ali, pra completar essa pessoa disse “Mas você Ste
é diferente, é cheirosa.”
Eu entendi a gravidade dessa frase só depois de um tempo e foi agressivo
pra mim, as pessoas que diziam ser minhas “amigas” não entenderam a minha
reação, nem a minha indignação, sendo que no segundo semestre em outro
trabalho, em determinado momento alguém disse “somos todos iguais” e a mesma
pessoa da frase acima esfregou a mão da própria pele e disse “menos a
Stephanie.” Olha isso foi visto como brincadeira de mau gosto pelos demais, por
mim foi visto como Racismo, e sim isso é racismo.
O que posso deixar claro é que dessas pessoas, eu resolvi me afastar foi
um processo complicado, porque era gente que eu via como amigo, mas acho que
não posso ser próxima de quem acha que é piada racismo. Além do mais, ouve uma
briga na faculdade, onde um namorado de uma aluna, invadiu o local e agrediu um
aluno. Diante desse fato, um dos seguranças de PUC, se manifestou com a
seguinte frase “Quem devia ter apanhado era essa menina.” O fato é que independente
do porquê da briga, independente de quem fez algo ou não, agressão é
intolerável a agressão a mulher num país com números como o nosso, e isso não
devia nem ter sido cogitado por quem devia zelar pela nossa segurança.
Quando eu manifestei minha opinião sobre a fala do tal segurança. Meu Facebook
foi novamente invadido pelos alunos da Faculdade de Arquitetura da Pontifícia
Universidade Católica, dessa vez defendendo agressão a mulher. Sim, eles
defenderam que dependendo da justificativa uma mulher poderia ser agredida.
Meu post foi esse:
Que resultaram nos seguintes comentários dos alunos, destacados em preto:
Esses foram os comentários dos alunos diante o machismo, da fala do segurança, eles não só colocaram que havia um contexto, como deram a entender que bater em mulher é uma “solução” viável as vezes. Para piorar novamente invadiram meu facebook, mesmo alguns que já estava bloqueados, usavam o facebook de amigos para manifestar ódio, inclusive me ameaçar de agressão caso não ficasse quieta:
Enfim, essa história passou e eu vi até pessoas que se diziam minhas
“amigas” ficando do lado desses determinados alunos que estavam não só
defendendo agressão como me ameaçando.
Finalmente 2013 acabou, eu comecei a dar indícios de tristeza e ficar
muito deprimida. Às vezes eu preferia me trancar na minha casa e chorar a ir a
aula, ninguém entendia e nem eu.
Começou 2014, agora estou no terceiro ano, me afastei dos “amigos”
citados, me afastei de várias coisas que me faziam mal, sim, cada vez mais
sozinha. Me sentindo estranha naquele lugar, eu escuto que sou a maior racista
comigo mesma, que deveria trocar de curso, pois levo tudo pro social, então
deveria fazer ciências sociais. E assim fui levando esse começo de semestre,
até que um professor numa determinada aula disse:
“Até você que tem a pele mais escurinha, consegue perceber diferentes
cores de luz na sua pele.”
Enfim, eu desmoronei.
Eu não tenho vontade de ir na aula, não tenho vontade de conversar com
as pessoas, eu quero ficar em casa chorando. Eu me encontro triste, comecei
terapia, e a psicóloga só conseguiu dizer que eu era racista comigo mesma e que
eu estava no curso errado, porque a universidade não vai mudar por mim.
E mais uma vez essa semana mostraram como o mundo é estranho, primeiro
ironia lidando com o assunto sério que são vagas com definição de gênero.

(Imagem: Reprodução/Facebook)
Claro que ninguém achou isso idiota, só “uma piada”, claro que quando eu
falei que é desnecessário, que eu não gostei, quando eu falo tudo que eu acho
desse mundo branco/elitista/reaça, surge um moço pra dizer “Relaxa e Goza”, ai
o cara da frase, me manda “Calar a boca.” e sim, o outro me zoa falando “faz
print” e pra finalizar uma menina branca diz ” Stephanie, calma, eu sempre leio
seus posts e tento entender seu ponto de vista, mas não tem um pouco de
vitimismo de sua parte tbm?… Não me xinga, não me chame de “branca” e que eu
não sei pelo q vc passa, eu já sofri MUITO preconceito tbm, mas de outras
formas….Enfim, se quiser podemos conversar, mas pra ja, vamos com calma que
ninguém está te atacando!”
Isso que eu estou passando é o que acontece quando uma mulher NEGRA E
FEMINISTA, entra na universidade, num curso elitizado. Eu conquistei esse
espaço eu não posso abandonar uma coisa que as pessoas como eu não tem acesso.
Arquitetura e Urbanismo e pra gente como eu, não só pra ficarem falando em
palestras como objeto de estudo, não só pros alunos usarem nós como temas de
iniciação cientifica, Arquitetura e Urbanismo é pra ser cursada por gente como
eu, Arquitetura e Urbanismo tem que chegar nas pessoas como eu, tem que
atingir, tem que mudar a vida delas.
Pode ser Universidade pública ou privada elas devem conscientizar
alunos, que tragam o Movimento Negro e o Movimento Feminista pra dentro de seus
campus. Porque desde quando passamos a ter alunos medíocres e não formadores de
opinião dentro dos jovens de 20 e poucos anos? Desde quando a Universidade se
tornou um local de oprimir e não de lutar?
Enquanto tiver aluno bolsista passando fome pra fazer faculdade. Não me
calarão.
Enquanto tiver aluno sem ter onde dormir pra fazer faculdade. Não me
calarão.
Enquanto nos mulheres estivermos ganhando menos que homens. Não me
calarão.
Enquanto nos mulheres estivermos sujeitas a agressão e estupros. Não me
calarão.
Enquanto o meu canteiro de obras for mais negro que minha sala de aula.
Não me calarão.
Enquanto o Brasil não superar os quase 400 anos de escravidão. Não me
calarão.
Enquanto eu for a
única mulher, negra e bolsista da Pontifícia Universidade Católica no curso de
Arquitetura e Urbanismo do meu ano que tem mais de 200 alunos. Não me calarão.
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