Toda mídia rumo ao esgoto
A deterioração editorial da Época e o caso Irma Passoni
Autor:
Luis Nassif
Outro dia o Miguel do Rosário fez um
xiste sobre o padrão de ilação do jornalismo atual: a mídia descobriu
que o sobrinho do fulano de tal andou na garupa da moto do primo do
sujeito que foi amigo de beltrano que foi apanhado pelo TCU. Época ainda
chega lá.
Tempos atrás houve uma discussão interna na Globo sobre o posicionamento editorial da revista. Durante certo período, Época praticou um belo jornalismo.Conversei uma vez com um correspondente da revista no nordeste: ele mandava a reportagem, era editada; depois recebi a versão final em PDF para conferir se não houve nenhuma alteração no conteúdo. Fontes da revista eram consultadas depois da entrevista, para conferir se as declarações aproveitadas refletiam o conteúdo. Se persistisse, poderia se tornar uma alternativa à falta de conteúdo da Veja.
Internamente, jornalistas defenderam a tese de que a Época deveria se posicionar mercadologicamente em uma centro-esquerda civilizada, sem criminalizar movimentos sociais, sem se submeter ao papel sórdido de assassinar reputações de adversários e, principalmente, praticando jornalismo.
Venceu a tese de Helio Gurowitz de que, para combater a Veja, a Época deveria ficar mais à direita ainda e potencializar mais ainda o estilo esgoto do concorrnete.
De fato, está se tornando uma Veja sem os leitores da Veja, conforme se pode conferir na matéria do repórter Murilo Ramos, sobre Irma Passoni e Gilberto Carvalho.
O motivo da matéria é simples. Na semana passada Carvalho investiu contra o governo de São Paulo, no caso Pinheirinho, e externou críticas à ideologia da mídia. Pronto: precisava ser abatido a tiros.
Aí encontram uma cobrança de contas do MCT para uma ONG dirigida pela deputada Irma Passoni. Ex-freira, só pode ser apadrinhada de um ex-seminarista: Gilberto Carvalho. Aliás, dia desses saiu um documento mostrando que a Fundação Roberto Marinho não cumpriu metas acordadas com o governo em projetos que usavam recursos públicos.
Confira a lógica de como utilizar Irma Passoni para atingir Carvalho:
- Sem especificar qual o “crime” cometido, começa a esmiuçar as relações entre Carvalho e Joe Valle (que, no MCT, autorizou verbas para a ONG de Irma), como se habitassem o mundo dos delitos. Descobre que Carvalho prestigiou a posse de Joe na presidência da Emater de Brasilia. E, na posse, estavam presentes o governador do DF Arruda e o empresário Paulo Otávio, abatidos pela Operação Caixa de Pandora. Ou seja, prato cheio para o Miguel do Rosário.
- Depois descobre outros pontos de contato entre eles: ambos compartilham o mesmo interesse comum por agricultura orgânica. Aí diz que tem um documento de posse dela que afirma que Valle é pau mandado de Carvalho.
- Depois descobre com seu faro fino que Carvalho é ex-seminarista, Irma ex-freira e ambos são fundadores do PT. Pronto, todos os elos mapeados permitindo montar o mapa final rumo ao tesouro escondido na caverna do ridículo. (No final entra no jogo até dom Mauro Morelli).
O crime
A ex-deputada Irma Passoni tem um histórico na área de tecnologia e movimentos sociais. Nos anos 90 dirigiu um instituto similar ao ITS, ligado à Unicamp e bastante respeitado. Desde aquele período, em pleno governo FHC, seu trabalho seja na Câmara ou na ONG – sempre ligado aos temas de telecomunicações e inserção social – era respeitado por todos, de empresas a governo.Na matéria da Época, desconsiderou-se totalmente os antecedentes. Transformou Irma em uma picareta de ONG para poder atingir Carvalho.
Todo o texto da matéria visa escandalizar os aspectos mais comezinhos da ONG.
Trata os objetivos da ONG – “promover a geração, o desenvolvimento e o aproveitamento de tecnologias voltadas para o interesse social e reunir as condições de mobilização do conhecimento, a fim de que se atendam às demandas da população” – como “vaga missão”.
Sustenta que o sucesso da ONG se deve a um padrinho forte, Gilberto Carvalho. Dona Ruth Cardoso tinha uma ONG que recebeu verbas milionárias, porque tinha padrinhos fortes e porque era uma pessoa tão respeitável quanto Irma.
E aí?
Aí se entra no “crime” propriamente dito. Um dos convênios, “patrocinado pela dupla Carvalho-Valle” (faltou dizer que reunidas sigilosamente embaixo de um pé de amoreira orgânica) recebeu uma cobrança do ordenador de despesas do Ministério de Ciência e Tecnologia. Cobram-se os comprovantes de uma despesa em um convênio de R$ 1,5 milhão. Toda a matéria gira em torno desse episódio. Parece o edifício que caiu na Cinelândia: vários andares em cima de um estrutura pífia.
O repórter destaca na relação de eventos uma discussão sobre a “Carta do Achamento do Brasil”, de Pero Vaz de Caminha; e outra sobre a “arqueologia dos movimentos sociais”. Da maneira como coloca, fica parecendo que foram as duas únicas atividades do convênio. E fica parecendo que discutir um dos documentos fundadores e as origens dos movimentos sociais é algo tão estranho quanto a existência de outras galáxias no universo. Se esse pessoal se deparar com um livro do Sérgio Buarque de Hollanda é capaz de sair correndo achando que é uma cascavel perigosa.
No fim do
parágrafo, bem perdida, a informação de que “em nota, o ITS disse ter
enviado todos os documentos previstos na prestação de contas e que está à
disposição para esclarecimentos”. E não colocam os esclarecimentos,
para não estragar a matéria.
O mesmo poderia ser aplicado à ONG de Mônica Serra (que não cumpriu as metas acordadas com a Lei Rouanet e teve o prazo prorrogado), de dona Ruth, à Fundação Roberto Marinho entre o universo geral de ONGs.
Por Wilson yoshio blogspot
TERCEIRO SETOR - 27/01/2012 20h19 - Atualizado em 27/01/2012 21h46
O amigo das ONGs no PlanaltoInstituto de petista, apadrinhado pelo ministro Gilberto Carvalho, entra na mira do Ministério da Ciência e Tecnologia por falta de prestação de contas de R$ 1,5 milhão

ENTRE COMPADRES
O ministro Gilberto Carvalho (no alto, sentado, de terno) compareceu à posse de Joe Valle (de pé, de terno)em cargo do governo José Roberto Arruda (no centro, de caneta na mão). A ONG de Irma Passoni (acima, no canto esquerdo) recebeu recursos liberados por Valle. Ambos são amigos de Carvalho
(Foto: F. Gualberto/Agência Brasília e Marcia Yamamoto)
(Foto: F. Gualberto/Agência Brasília e Marcia Yamamoto)
Em
meio à reforma ministerial iniciada na semana passada, o governo da
presidente Dilma Rousseff anunciou a criação da Secretaria de Gestão
Pública, vinculada ao Ministério do Planejamento. O objetivo da nova
secretaria é tornar a administração pública federal mais eficiente e
combater o desperdício de recursos. Os focos da nova secretaria ainda
não estão bem delineados, mas, para cumprir sua incumbência, ela bem que
poderia se dedicar a aprimorar os convênios entre governo e ONGs – um
ralo de dinheiro público (leia mais).
Na
constelação de milhares de ONGs que prestam serviço ao governo, uma tem
brilhado com intensidade: o Instituto de Tecnologia Social (ITS),
criado em 2001 pela ex-deputada federal Irma Passoni, do PT de São
Paulo, com a vaga missão de “promover a geração, o desenvolvimento e o
aproveitamento de tecnologias voltadas para o interesse social e reunir
as condições de mobilização do conhecimento, a fim de que se atendam às
demandas da população”. Desde que o PT chegou ao Palácio do Planalto, o
ITS obteve mais de R$ 14 milhões em verbas de convênios, o que o tornou
uma das ONGs com melhor trânsito na Esplanada dos Ministérios. Uma das
razões do sucesso do ITS é que ele conta com as bênçãos de um padrinho
forte: Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria-Geral da Presidência e
ex-chefe de gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Carvalho,
ex-seminarista da Igreja Católica, é amigo de Irma Passoni, ex-freira,
desde a fundação do PT, em 1980.
Uma
das especialidades do ITS é a área de ciência e tecnologia. A ONG
celebrou nove convênios com o Ministério da Ciência e Tecnologia, com
valores superiores a R$ 6 milhões. ÉPOCA apurou que Carvalho exerceu uma
influência decisiva para o ministério abrir as portas para a ONG de
Passoni. Quem fez as honras da casa foi outro amigo do ministro, Joe
Valle, ex-secretário de Inclusão Social do ministério, atualmente
deputado distrital pelo PSB em Brasília. Como secretário, Valle era o
responsável por aprovar os projetos do ITS. Dono de uma chácara de 3
hectares próxima ao Distrito Federal, Carvalho se aproximou de Valle por
causa do interesse de ambos pela agricultura orgânica (engenheiro
florestal, Valle é dono de uma propriedade especializada em produtos
orgânicos). No final de 2009, quando Valle deixou o Ministério da
Ciência e Tecnologia para assumir, por um breve período, a presidência
da Emater, órgão de apoio a produtores rurais do governo do Distrito
Federal, Carvalho fez questão de prestigiar a posse do amigo. Na
ocasião, o petista Carvalho sentou-se ao lado de personagens do barulho
da política brasiliense, como o ex-governador José Roberto Arruda e o
ex-vice-governador Paulo Octavio, ambos então filiados ao DEM. Dois dias
depois da posse, foi deflagrada a Operação Caixa de Pandora, que
implodiu o governo Arruda. Após o escândalo, Valle voltou a seu cargo na
Ciência e Tecnologia graças ao apoio de Carvalho.
Um
dos convênios do ITS patrocinados pela dupla Carvalho-Valle entrou
agora na mira dos órgãos de controle interno do governo. Na semana
passada, o ordenador de despesas do Ministério da Ciência e Tecnologia,
Humberto Schloegl, encaminhou um ofício a Irma Passoni em que cobra a
relação de pagamentos, notas fiscais, extratos bancários e regulamento
para a realização das contratações do ITS num convênio de R$ 1,5 milhão.
A parceria foi feita a propósito do desenvolvimento de projetos em
comunidades carentes no Distrito Federal. Apesar de o convênio ter sido
finalizado em agosto de 2009, nenhum desses documentos fora apresentado
até a semana passada. Se não encaminhar os documentos exigidos em dez
dias, Irma Passoni poderá ser inscrita num cadastro de devedores do
governo federal. O ministério só tomou essa iniciativa dois dias depois
de ÉPOCA ter solicitado acesso à prestação de contas do convênio.
O convênio com a ONG de Passoni terminou em 2009, mas o uso do dinheiro ainda não foi comprovado
Várias
particularidades chamaram a atenção para o convênio, como o repentino
interesse do ITS, normalmente concentrado em São Paulo, pela periferia
de Brasília. Algumas atividades que teriam sido promovidas pela ONG
também causam estranheza. Numa delas, o ITS teria promovido a leitura e
discussão da célebre “Carta de Achamento do Brasil”, de Pero Vaz de
Caminha, o escrivão do navegador Pedro Álvares Cabral na viagem do
Descobrimento do Brasil. Outra iniciativa do ITS teria sido estimular o
debate sobre a “arqueologia dos movimentos sociais”. A conclusão do ITS
sobre o assunto foi: “Os problemas atuais estão referenciais (sic)
em processos históricos não resolvidos na formação socioeconômica
brasileira”. Em nota, o ITS disse ter enviado todos os documentos
previstos na prestação de contas e que está à disposição para
esclarecimentos.
As
ligações de Carvalho com Valle são parte de uma denúncia protocolada na
Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2010. Outro implicado na
denúncia é o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), acusado de favorecer
amigos e parentes com emendas parlamentares. A PGR investiga o caso.
Rollemberg nega as acusações. Diz que são decorrentes de briga interna
do PSB. “O procurador-geral vai concluir que as denúncias não procedem.”
Rollemberg foi o antecessor de Valle na Secretaria de Inclusão Social.
O
documento, a que ÉPOCA teve acesso, acusa Valle de ter atuado no
Ministério da Ciência e Tecnologia como um agente teleguiado de
Carvalho. Tanto Valle quanto o ministro negam tal interferência.
Carvalho diz que a decisão sobre convênios com ONGs “é responsabilidade
dos ministros e autoridades de cada órgão”. Questionado por ÉPOCA,
Carvalho reconheceu, porém, que tomou a iniciativa de apresentar a Valle
outra ONG: a Harpia Harpyia, dirigida pelo bispo emérito de Duque de
Caxias, no Rio de Janeiro, dom Mauro Morelli.Segundo Carvalho, para
“solicitar-lhe que dom Mauro fosse atendido dentro das normas e
critérios daquela secretaria”. A Harpia, dedicada ao combate à fome,
recebe recursos de convênios do Ministério da Ciência e Tecnologia com
prefeituras e universidades públicas. O melhor seria se as ONGs dos
amigos de Carvalho conseguissem dinheiro apenas por sua competência e
eficiência, sem a necessidade dos pistolões do Planalto.
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