O que o sensacionalismo não explica

 


Ao contrário do que dizem os jornais, os estudantes da USP não lutam pelo “direito de fumar maconha” – e, sim, contra um reitor incapaz de diálogo e decisões compartilhadas. Por Alex Monteiro

Sou aluno da Faculdade de Direito da USP e presenciei a gestão do Rodas como diretor. A questão precisa ser debatida e esclarecida porque a mídia “oficial” não está fazendo isso. Participei da assembleia que redundou na ocupação da reitoria também — e o que vi não foram centenas de estudantes defender o uso indiscriminado de drogas. A questão da maconha foi estopim para uma ação policial atropelada, intimidatória (para quem não sabe, o consumo de maconha e outras drogas sequer é “criminalizado”; as penas vão de advertência verbal a medida socioeducativa). Ou seja, não foi a questão central e sim estopim, que foi mal usado pelos conservadores de plantão e pela classe média paulistana. Ela fetichiza tanto a USP, mas desconhece a estrutura da universidade e suas relações com o governo de São Paulo.

O outro lado da moeda é basicamente o contrário do que disse a mídia. Para ser um pouco mais preciso, o outro lado da moeda é que todo esse barulho não aconteceu simplesmente porque os alunos estavam fumando maconha e não queriam ser importunados pela polícia. Na verdade, deflagrou-se uma crise provocada no contexto da nova gestão do REItor Rodas. Nenhum canal de diálogo aberto, um sistema repressivo e autoritário no qual as decisões são tomadas sem nenhum respeito ao processo democrático que deveria permear a universidade. Valendo-se do uso da força e do autoritarismo, o reitor impôs a PM no câmpus como mais uma das suas medidas de “contenção dos ânimos”, claro recado para calar todos aqueles que por qualquer razão questionam os atos da reitoria. Estou falando de trabalhadores que foram duramente reprimidos em manifesto contra as condições de trabalho na universidade, sofrendo, inclusive processo administrativo para demissão por justa causa.

Ora, o que desencadeou toda essa crise é nítido demais – e só não vê quem não quer. A universidade é espaço de debate, de construção e aprimoramento da análise critica. É ela quem tem o papel de propor debates, influenciar avanços sociais e pautar modelos melhores de tudo o que está posto. A Polícia Militar é uma instituição despreparada para lidar com isso, para dialogar. Dai o contra-senso de se confiar em uma instituição problemática como a PM para solucionar os problemas da universidade. Não se trata de um bando de maconheiros e vândalos querendo fumar em paz e se submeter ao horror do mundo real . Trata-se, sim, de uma reação até bastante natural da comunidade universitária ciente do papel da universidade e dos problemas das instituições envolvidas aos desmandos de um reitor que só sabe dialogar com fuzis.

Pode parecer implicância, mas basta lembrar que este mesmo reitor colocou a tropa de choque dentro da São Francisco em 2007 para tirar os movimentos sociais que, sem nenhuma violência ou risco ao patrimônio publico, ocuparam a faculdade de Direito para reivindicar pautas sociais perante o Estado. Também não preciso repisar a relação do ex-diretor da Faculdade de Direito e atual reitor quando da sua saída da direção da faculdade: fez contratos com a iniciativa privada sem nenhuma transparência com os alunos, oferecendo contrapartidas delicadas e perigosas sem sequer a congregação da faculdade ficar sabendo; ou então, no ultimo dia na direção da faculdade, emitir três oficios demitindo todos os funcionários da biblioteca, fechando a biblioteca (que ficou assim por pelo menos seis meses) e deixando os livros em caixas expostas à chuva, fogo, sol… O que levou a Faculdade de Direito (que é bastante tímida e conservadora, quando se refere a posições na universidade) a decidir, na Congregação (órgão soberano de decisões, com representantes de professores e dos alunos), que o Rodas, já reitor, era persona non grata”.

Isso tudo é exemplo do que desencadeou a atual situação na universidade. Ninguém quer fumar maconha e se drogar sem ser importunado; ninguém quer destruir por vandalismo a universidade; ninguém está interessado em ficar fazendo nada na reitoria. A situação é outra. Há, na universidade, sujeitos incomodados com a organização da instituição, com as soluções simplistas e perigosas de um reitor autoritário. Há, sobretudo, sujeitos humanos que acreditam ser a violência e a truculência as piores armas (sem contar o fuzil) para se construir mudanças e servir a sociedade.

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