O efeito-manada contra a redução da Selic

Nassif

Na economia, tem-se um xadrez de muitas variáveis pela frente.

1. A assimetria dos mercados internos com a crise. Mercados europeu e norte-americano em queda, afetando economias que exportam para lá - como China e Índia.

2. Instabilidade dos mercados financeiros globais, com pessoas de peso alertando que a excessiva liquidez e a falta de alternativas para os excedentes financeiros realimentou o jogo especulativo, tanto em mercados de ativos quanto nos de câmbio.

Os desafios brasileiros são complexos, o principal dos quais é a maneira de trabalhar o mercado interno. Com o câmbio fora do lugar, a recessão nos demais países os levará a despejar seus excedentes no mercado brasileiro, apropriando-se do consumo interno com duas consequências nefastas: primeiro, o de reduzir a eficácia das políticas de estímulo ao consumo; segundo, o de ampliar a vulnerabilidade das contas externas brasileiras. Se a isso se somar uma eventual queda nos preços de commodities, importa-se a crise externa na hora.


As contas externas brasileiras estão ameaçadas pelas seguintes possibilidades, concretas, no horizonte da economia internacional:


1. Redução na demanda global por commodities, derrubando os preços dos principais ítens de exportação brasileiros.


2. Prosseguimento da política norte-americana de resgate de títulos públicos, injetando mais dólares no sistema e forçando ainda mais a valorização das demais moedas.


3. Desvalorizações defensivas de moeda por vários países, acentuando ainda mais o diferencial contra o real.

4. Possibilidade de uma recidiva da crise financeira internacional (apontada por um Prêmio Nobel em visita ao Rio!), provocando a chamada fuga para a segurança, com os dólares podendo sair intempestivamente do país.


É um conjunto de variáveis que estariam no radar de qualquer economista minimamente preparado e minimamente responsável. Se as contas externas entram em parafuso, ocorre uma desvalorização forçada no câmbio e todas as planilhinhas desse pessoal vão para o brejo.


Esses cabeções que saíram batendo no Banco Central são incapazes de uma visão sistêmica da economia. Alguém montou uma correlação entre juros e inflação e deixou de lado todas as demais variáveis, como se a economia global e a nacional estivessem em um quadro de perfeito equilíbrio. 


Qualquer gestor responsável trabalhará sempre com o cenário de maior risco, aquele capaz de trazer maiores danos à economia. No caso brasileiro, inegavelmente é o cenário de aumento da recessão mundial (que ninguém duvida mais), retomada da crise financeira (alertas cada vez mais frequentes) e desvalorizações competitivas (em curso). Somando-se esses fatores, a maior ameaça ao país, à economia e ao controle da inflação seria a crise do balanço de pagamentos com uma desvalorização repentina do real.


A maioria dos analistas ouvidos que critica do Banco Central após a decisão do Copom move-se exclusivamente pelo efeito manda, relação Selic-inflação. Não há sofisticação em suas análises, não há diversidade de ângulos, não há visões complexas da economia, há total incapacidade de incluir qualquer variável adicional, especialmente as essenciais. A única coisa que sabem é pegar a correlação Selic-juros - que alguém montou - e repeti-las indefinidamente com o ar sábio de uma coruja. E bater na tecla de que a redução da Selic afeta a credibilidade do Banco Central.

Esse é o poder maior e mais nefasto da cobertura financeira, a de induzir economistas sem fôlego a acompanhar o efeito-manada, visando aproximar sua opinião daquilo que considera consenso midiático. A razão é simples: se repetir o que os jornais dizem, seu CEO (ou seu editor) não irá contestá-lo; se ousar mostrar o rei nu, terá que dispor de conhecimento mais aprofundado para se explicar.

Amanhã, quando todas as previsões derem errado - como ocorreu nas desvalorizações de 1999, 2002, como ocorreu na crise de 2008 - terão o conforto de terem errado com a maioria.

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