Na periferia, Lulismo disputa espaço com igrejas e 'vida loka'

Seminário na USP debate inserção do lulismo nas periferias das cidades. Pesquisas avaliam impactos das denúncias de corrupção sobre imagem de Lula.

Marcel Gomes no Carta Maior
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São Paulo – Numa semana que começa com os meios políticos e econômicos repercutindo a queda da presidenta Dilma Rousseff nas pesquisas de opinião, a Universidade de São Paulo (USP) inicia seu IV Seminário Discente da Pós-Graduação em Ciência Política (local e programação completa em http://bit.do/IVseminario), nesta segunda-feira (7), com debate sobre o chamado “lulismo” e sua força nas periferias das cidades.

Segundo o cientista político e professor da USP André Singer, principal difusor do termo e que coordena o seminário, o fenômeno político do lulismo tem como marco a reeleição de Lula à presidência, em 2006. Nessa disputa, a maioria do eleitorado de baixíssima renda, que, desde a democratização, em 1985, votava em candidatos à direta de Lula, passou a sustentar eleitoralmente o lulismo.

A nova base ideológica desse grupo popular combinaria elementos de esquerda, como a mudança social impulsionada pelo crescimento econômico e as políticas sociais da Era Lula, assim como de direita, em especial a manutenção da ordem social e econômica.

A força do lulismo permitiria a transferência de votos do líder para candidatos escolhidos por ele, mesmo que sem experiência eleitoral prévia. Foi o caso da vitória da própria Dilma, no pleito presidencial de 2010, e de Fernando Haddad, em 2012, para a prefeitura de São Paulo – ambos ex-ministros do governo Lula.

Em que pese os sinais de protagonismo do lulismo, há temas a serem aprofundados. Qual exatamente a força do fenômeno lulista? Qual seu enraizamento nas periferias? Há abalos diante da divulgação regular de denúncias de corrupção pela mídia contra o Partido dos Trabalhadores? Como o lulismo interage e se transforma diante de outras ideologias estabelecidas na periferia, como os códigos e valores evangélicos?

Essas questões de fundo têm pautado pesquisas acadêmicas de alunos de pós-graduação em ciência política da USP. Muitos desses trabalhos, ainda com resultados provisórios, serão apresentados ao longo da semana em mesas de debate. O seminário é gratuito, aberto ao público e não exige inscrição prévia.

Pesquisas em andamento

A estudante de pós-graduação Maria Leticia Brito realiza sua pesquisa na região periférica do Cecap, município de Taubaté (SP). Seu objetivo é entender como os moradores da localidade decidem e estruturam seu voto. Seu trabalho tenta pôr à prova justamente a força do lulismo, já que, na região, a vitória nas eleições de 2010 foi do candidato anti-Lula, José Serra (PSDB), que superou Dilma Rousseff.

Ao partir para as entrevistas de campo, Brito percebeu que, apesar da derrota de Dilma, os que votaram nela citavam a referência a Lula como fator relevante de voto. “Por meio de um olhar mais apurado pode-se perceber que as inclinações ao lulismo estão presentes e ali existe algo interferindo no resultado (efeito) final”, aponta a pesquisadora.

Um sinal dessa influência seriam as diferenças de taxas de votos obtidas por Dilma na periferia e no centro de Taubaté. Enquanto no Cecap a atual presidenta atingiu apenas seis pontos percentuais a menos do que Serra, no centro, área mais rica da cidade, a diferença foi de vinte pontos.

Um freio para a força do lulismo parece ter vindo das denúncias de corrupção, sinalizam as entrevistas obtidas pela pesquisadora. Na avaliação dela, Lula é visto como uma “figura ambígua”. “Se ele é o único político que intercede pelos mais pobres, também é visto como um político que está no meio das falcatruas da política”, afirma. Diante disso, apesar de muitos aprovarem as políticas do governo Lula e de alguns até terem sido beneficiados por elas, parte deles optou por votar no PSDB.

Religião e lulismo

Em mais uma investigação sobre o fenômeno político do lulismo, o pós-graduando Vinicius do Valle decidiu acompanhar, durante a eleição paulistana de 2012, vencida por Fernando Haddad, fieis da igreja Assembleia de Deus em um templo no bairro do Belém, periferia de São Paulo.

Seu objetivo era analisar a importância da instituição religiosa na vida de seus fiéis, a maior parte de baixa renda, sobretudo as influências eleitorais. As igrejas evangélicas, como se sabe, têm ganhado cada vez mais representação política no país.

Na atual legislatura (2011-2014), setenta e três parlamentares, sendo setenta deputados e três senadores, compõem a bancada suprapartidária evangélica no Congresso Nacional, segundo dados do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Na opinião de Valle, a igreja mostrou que tem um papel fundamental na vida de seus fieis. “Há o sentimento de pertencimento e de comunidade, que se tornam fundamentais para as ‘visões de mundo’. Em termos políticos-eleitorais, isso traz diversas implicações. O primeiro é que as pessoas assumem o programa político da instituição, que envolve tanto o apoio do Estado para as atividades da Igreja, quanto o aspecto da moralidade cristã”, explica o pesquisador.

Dessa forma, apenas uma parte dos eleitores desse grupo seguiu as recomendações de Lula. São os que valorizaram determinadas mudanças socioeconômicas ocorridas na última década e optaram pelo candidato lulista, mesmo sem a garantia de que o Estado atuaria em favor de preceitos morais.

"Vida Loka"

Já a pós-graduanda Thais Pavez, em seu trabalho sobre a cultura política dos jovens da periferia, optou por abordar as narrativas e depoimentos orais sobre a história de vida dessa população, marcada pela proximidade com a marginalização social, a convivência com o crime e apenas parcialmente tocada pelos avanços socioeconômicos da Era Lula.

Ao citar uma recente pesquisa do professor André Singer, Pavez aponta que o “enorme número de postos de trabalhos formais criados na última década” pôs um freio à catástrofe do desemprego estrutural da onda neoliberal, mas sem chegar a oferecer "bons trabalhos", ou seja, aqueles que se desenvolvem sob condições laborais entendidas como de trabalho decente.

Na explicação do próprio Singer, “os empregos criados, embora protegidos por lei, têm condição precária, sobretudo em virtude de sua alta rotatividade. Ao estimular os setores do capitalismo orientados pela lógica da superexploração, como é o caso do telemarketing ou da construção civil, o lulismo convive com a precariedade". Nesse contexto, a proposta da vida no crime apareceria muitas vezes como caminho mais atrativo e rentável para os jovens.

Nessa linha, e citando outro pesquisador, Paulo Artur Malvasi, Pavez reafirma a ideia de Vida Loka como conceito de identidade chave para compreender discursos de pichadores, grupos de hip hop, o associativismo civil das ONGs, times de futebol de várzea e o trabalho em profissões em risco, como a de motoboy – grupos sobre os quais o lulismo é referência ainda parcial.

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