Giap, o homem que humilhou dois Impérios

XAVIER MONTHÉARD


Morre no Vietnã, aos 102 anos, gênio militar responsável por arrasar 
“mito da invencível superioridade dos Estados Unidos”
Por Xavier Monthéard, no Le Monde Diplomatique | Tradução: Antonio Martins

Do nada, ele fez um exército; de um enfrentamento local, um símbolo da resistência à iniquidade. Ele venceu os franceses da batalha de Diên Biên Phu, em 1954, e depois arrasou os norte-americanos, com a Ofensiva do Tet, em 1968. Um David que triunfou sobre diversos Golias: assim se inscreve o general Vo Nguyen Giap na história do Vietnã.

Giap nasceu em 25 de agosto de 1911, em Annan, protetorado da Indochina francesa. Foi criado por sua família numa atmosfera de orgulho pela dominação estrangeira. No colégio de Hue, a leitura do Processo da Colonização Francesa, de Ho Chi Mihn, transtorna-o. A ganância dos colonizadores, seu desprezo pela população local e sua brutalidade provocam, em 1930, um vasto levante, duramente reprimido. Instruído pela prisão, Giap terá, a partir de então, vida dupla.

Forma-se em 1934, torna-se professor, casa-se. Ao mesmo tempo, ingressa no Partido Comunista, clandestino. As bases do Vietminh, uma estrutura operária e camponsesa ligada à Internacional Comunista, estão superadas. Na China, Giap recebe, em 1940, orientação de formar um exército de libertação. Tem trinta anos, seu futuro transforma-se. A partir de então, três décadas de combate – pela independência, em setembro de 1945; contra o ocupação francesa da Indochina, até 1954; contra os invasores norte-americanos, expulsos em 1975 – serão marcadas por seu gênio militar.

De volta a Diên Biên Phu, em 1994, quarenta anos após vencer os franceses. 
Abnegação dos soldados e unidade profunda com camponeses eram conceitos-chave para Giap
Sem formação militar acadêmica, Giap refina o conceito de “guerra popular prolongada”: um exército de camponeses firmemente apoiado na população. Suas tropas souberam ser respeitadas nos vilarejos por sua abnegação, que contrastava com a arrogância francesa e norte-americana. Em contrapartida, os civis ajudavam os soldados e tornaram possíveis proezas logísticas. Basta vislumbrar as dificuldades do cerco de Diên Biên Phu: durante 55 dias, jangadas e bicicletas, que se esgueiravam pelas trilhas da floresta, abasteceram de alimentos e munições um exército sob chuva de bombas e napalm.

Para Giap, a guerra revolucionária comportava três fases: a defesa estratégica, a guerrilha e a contra-ofensiva. Ele foi insuperável nas duas primeiras, mas se mostrava às vezes impaciente, nas operações de grande amplitude. Soube, porém, transformar uma derrota tática, como a de Têt, numa vitória política: a opinião pública norte-americana tremeu, quando descobriu a onipresença dos “Vietcongs”.

Afrontado por uma lógica de aniquilação, Giap desenvolveu uma estratégia que fez voar em pedaços o que ele chamava de “mito da insuperável potência das tropas norte-americanas”. Segundo um de seus biógrafos, Cecil B. Currey, Giap foi “talvez o único gênio militar do século 20 e um dos maiores de todos os tempos” – porque “desencadeou uma batalha contra seus inimigos a partir de uma situação de grande fraqueza, começando quase sem tropas, porém capaz de vencer sucessivamente os vestígios do império japonês, os exércitos da França (à época segundo império colonial) e os Estados Unidos, então uma das duas superpotências do mundo”

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