Médico cubano vira prefeito em Roraima

Essa história mostra a importância do trabalho desses médicos em nosso país e sua aceitação pela população

DEBATE BRASIL

Esta matéria foi escrita a partir de um depoimento a
CYNEIDA CORREIA, publicado pela
FOLHA DE SÃO PAULO, no dia 25 de maio



O médico cubano tornou-se ídolo no interior de Rondônia, naturalizou-se
brasileiro e foi eleito prefeito da cidade de Mucajaí, em Roraima.



Nascido e formado em Cuba, Josué Jesús Matos, 46, chegou ao Brasil em 1997, num dos primeiros grupos de médicos cubanos que trabalharam no país. Matos atuou no interior de Roraima, se casou e voltou a Cuba com a mulher brasileira. Depois de pouco tempo na ilha, retornou ao Brasil e foi eleito prefeito de Mucajaí (a 60 km de Boa Vista).

Sou da primeira leva de médicos cubanos que veio a Roraima integrar o programa "Médico em Sua Casa".

Quando falaram que vínhamos, procurei no mapa e achava que era só selva, índio e malária, aquela imagem estereotipada. Mas era totalmente diferente.

Não tínhamos medo, pois vivíamos em Cuba o espírito da solidariedade, de internacionalismo proletário e da ajuda ao próximo. Era um desafio.

Chegamos em maio de 1997 e fomos levados a uma residência médica no centro de Boa Vista, cidade linda e planejada. Quando vi aquele banquete de recepção, com tanta fartura, fiquei feliz.

Na ilha, a realidade econômica era muito difícil. Éramos pobres, mas não passávamos fome. Eu plantava arroz, caçava e pescava para complementar a alimentação.

Cuba enviava médicos a todo o mundo, gratuitamente. No convênio com o Brasil, não fomos aceitos de graça, então nos pagavam R$ 3.000.

Mandávamos metade do salário para Cuba, pois nossa formação acadêmica não nos custou nada e ainda contribuíamos para outros se formarem. Ficávamos com R$ 1.500 -éramos ricos.

O idioma foi o maior problema. Tenho dificuldade com certas palavras até hoje.


Enfrenando a malária

Em 1998, fui morar em Mucajaí. Eram mais de mil casos de malária em uma cidade de 9.000 habitantes.

Atendíamos mais de cem pacientes por dia. Íamos a todas as estradas do interior, de casa em casa.

Em alguns lugares, era a primeira vez que a população via um médico.
Nessa época, conheci Leila, minha mulher. Nos apaixonamos em 2001, antes de eu voltar para Cuba, pois o contrato iria terminar.

Consegui convencê-la a ir comigo. Queríamos casar e viver perto da minha família.
Mas a situação econômica de meu país era muito difícil e o governo não aceitou que ela ficasse. Leila tinha que entrar e sair da ilha de dois em dois meses.

Decidi retornar ao Brasil quando vi que, após quatro anos trabalhando em Cuba, não era bem tratado e não aceitavam a mulher que esperava um filho meu. Pedi permissão e virei brasileiro.

Comecei a trabalhar atendendo os moradores em Mucajaí. Quando não existe dinheiro no meio, tudo flui, você vê o ser humano como ele é. Eu me sentia um rei: querido, paparicado por todos. Era muito feliz até entrar para a política.



Nesta cidade longínqua de Roraima, o médico cubano virou ídolo e prefeito

Fui convencido a entrar num partido e, depois de pedir votos para um candidato derrotado, me demitiram após dez anos de trabalho.


A comunidade fez um abaixo-assinado com 3.000 assinaturas pela minha volta, mas não teve jeito. Fiquei sem emprego, sofri perseguição politica e tive que me mudar.

Fiquei vários anos sem estabilidade, isso roubou a paz da minha família.

No final, acabei aceitando o apelo da população e concorri à prefeitura de Mucajaí, mas minha campanha não teve comício, nem uma placa sequer. Eu não tinha dinheiro para nada. Ia de casa em casa visitando as pessoas.

Agora, Dr Josué, como é conhecido e querido, foi eleito com 4.698 votos em 2012 prefeito de Mucajaí pelo PSL numa coligação heterogênea, que reuniu PRB / PP / PDT / PTB / DEM / PSDC / PHS e PC do B , tornando-se o primeiro cubano-brasileiro prefeito no país.

Seu adversário, Gordo Lopes, do PMDB, teve 4285 votos numa coligação que contou com o apoio do PT/ PSDB / PPL / PSC / PSB / PV / PR / PTN / PMN / PSD / PPS / PT do B e PRP)

"Ser prefeito é uma bomba. Tive problemas financeiros na prefeitura e enfrento protestos por salários atrasados. A coisa é dura! declarou, sem deixar de atender seus pacientes.


Derrotando a máquina do prefeito que o perseguiu


Na posse do novo prefeito, eleito pela oposição, estavam o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), o deputado federal Jhonatan de Jesus (PRB-RR), os deputados estaduais Mecias de Jesus (PRB), Ângela Águida Portela (PSC) e Gabriel Picanço (PSB), além do presidente do PP estadual, o ex-governador e ex-deputado federal Neudo Campos.

Dr. Josué foi o primeiro cubano a assumir uma prefeitura no Brasil. Brasileiro naturalizado, ele veio de Cuba ainda no Governo de Neudo Campos (PP) para trabalhar como médico no interior do Estado, fixando residência em Mucajaí, onde constituiu família e, agora, terá a chance de administrar o município como prefeito por pelo menos nos próximos quatro anos.

Nas eleições municipais do ano passado, Dr. Josué enfrentou as máquinas do Município e do Estado. No final, obteve 4.698 votos, vencendo o então prefeito que concorria à reeleição, Elton Vieira Lopes, o Gordo Lopes (PMDB), que recebeu 4.285 votos. Por coincidência, foi o mesmo prefeito que o perseguiu por ter apoiado seu adversário na eleição anterior.

“Vamos realizar uma auditoria em todos os setores para saber como anda a Prefeitura e, assim, poder planejar as ações e medidas que que serão tomadas em prol do desenvolvimento de Mucajaí”, disse Dr. Josué, após a solenidade de posse.


Secretariado ficha limpa

Ao designar seus secretários, o Dr. Josué adotou uma medida inédita em Roraima, conforme noticiou o blog FATO REAL, editado em Boa Vista pelo jornalista e radialista Wirismar Ramos:


Empossado, o médico cubano-brasileiro exigiu FICHA LIMPA dos secretários

Todos os secretários e cargos comissionados da Prefeitura de Mucajaí (RR), nomeados na quarta-feira (2) pelo prefeito Josué Matos (PSL), tiveram que apresentar declaração de ficha limpa, ou seja, a garantia de que não têm nenhuma pendência com Polícia ou com a justiça – seja ela eleitoral ou comum.

É a primeira vez que um prefeito faz esse tipo de exigência em Roraima. Ao assumir o cargo na última terça-feira (1º), Dr. Josué anunciou que uma de suas primeiras ações seria mandar fazer auditoria em todos os setores para saber da real situação em que se encontra a Prefeitura de Mucajaí.

Conhecido como um médico ficha limpa e de conduta ilibada – assim como seu vice-prefeito, o advogado Januário Miranda Lacerda, o Dr. Januário (PP) – Dr. Josué tem uma grande responsabilidade: provar que o povo de Mucajaí não estava errado ao elegê-lo prefeito. Com essas duas ações inciais, ele já demonstra que pretende cumprir o que prometeu em campanha: administrar de forma diferente do seu antecessor, com transparência e respeito à coisa pública.

O prefeito também decidiu designar funções aos seus dois braços direitos: sua esposa Leila Oliveira Mendes (nomeada como secretária Municipal de Ação Social) e ao vice-prefeito, Dr. Januário (Educação).

Todos os ex-prefeitos de municípios roraimenses são fichas sujas e respondem a processos no Tribunal de Contas do Estado (TCE-RR) ou da União (TCU), ou ainda nos dois. Dr. Josué pode ser a exceção – até pelo vice que tem – e mostrar que é possível administrar sem se envolver com políticos ‘raposas velhas’, acostumados a cobrar porcentagem de todos os recursos que destinam ao Município por meio de emendas parlamentares.

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