“Protesto foi reação à provocação da ala conservadora da Unesp”


Viomundo



O histórico dos palestrantes levou professores da Unesp-Franca a pedir ao Civi o cancelamento do evento. O grupo não recuou e alguns de seus membros ainda apoiaram um assessor do “príncipe” (foto acima, senhor grisalho), que, para provocar, gritava “Viva o mensalão!”, enquanto os estudantes diziam “Reforma agrária quando? Já”. Fotos: arquivo pessoal

por Conceição Lemes


Na última semana do ano letivo de 2012, a diretoria da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Franca, anunciou a abertura de sindicância contra 31 estudantes da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais.

Eles são acusados de impedir, em 28 de agosto de 2012, a realização das palestras de Bertrand de Orleans e Bragança e José Carlos Sepúlveda em evento do Curso de Iniciação à Vida Intelectual (Civi), coordenado pelo professor Fernando Andrade Fernandes, diretor do campus.

Bertrand é um dos herdeiros do que foi a família real no Brasil. Autoproclama-se príncipe imperial do Brasil, desde 5 de julho de 1981. Ele é contra reforma agrária, demarcação e reconhecimento das terras ocupadas por quilombolas e indígenas, entre outros temas da plataforma dos conservadores brasileiros.
Em reportagem de Leandro Loyola, publicada em 2005 pela Época, Bertrand aparece como um dos anfitriões de evento contra a proibição de venda de armas de fogo no Brasil, organizado pela Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição Família e Propriedade (TFP), e ao qual compareceram muitas viúvas da ditadura no País.

Na matéria, Bertrand é citado como um dos membros mais ilustres da TFP, grupo católico ultraconservador, radical de direita.

Não é à toa que em seu blog, a senadora Kátia Abreu (PSD-TO) é endeusada, enquanto João Pedro Stedile e o MST são satanizados. Ele se apresenta assim:

Coordenador e porta-voz do movimento Paz no Campo, percorre o Brasil fazendo conferências para produtores rurais e empresários, em defesa da propriedade privada e da livre iniciativa. Alerta para os efeitos deletérios da Reforma Agrária e dos movimentos ditos sociais, que querem afastar o Brasil dos rumos benditos da Civilização Cristã, que seus antepassados tanto ajudaram a construir no País, hoje assolado por uma revolução cultural de carater socialista (sic).

Sepúlveda, nascido em Portugal, é um apoiador do “príncipe” e de suas causas. Publica textos no site do Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, entidade ligada à TFP e que funciona no mesmo casarão do bairro de Higienópolis, em São Paulo. Sepúlveda, aliás, era ligado aos fundadores da TFP.

As duas citações favoritas de Sepúlveda, segundo o seu Facebook:

Se a Revolução é a desordem, a Contra-Revolução é a restauração da ordem. E por ordem entendemos a paz de Cristo no reino de Cristo. Ou seja, a civilização cristã, austera e hierárquica, fundamentalmente sacral, antiigualitária e antiliberal” (Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução, 1959.

Se a Monarquia é um sonho, a República é um pesadelo.


O "príncipe" Bertrand (no centro da mesa) e Sepúlveda (último, à direita) em evento pró-monarquia realizado no Rio de Janeiro em 2012. Foto: Facebook de Sepúlveda

Bertrand e Sepúlveda têm percorrido universidades, para falar aos alunos sobre a monarquia, com um falso discurso de história do Brasil. Na verdade, fazem proselitismo político pela monarquia. Esta imagem postada no Facebook não deixa dúvidas sobre as reais intenções da dupla. É um cartaz com a bandeira com o brasão da família imperial brasileira adaptado.



Professores de todos os departamentos estão obviamente contra a absurda sindicância aberta pela diretoria do campus. Os de História e Relações Internacionais publicaram moções condenando a medida.

Carlos Manoel Passos Vaz Jr., o Biscoito, é um 31 processados. Tem 23 anos, formou-se em História. Na colação de grau, em dezembro, foi impedido de pegar o certificado de conclusão de curso devido à sindicância. Agora, no início de janeiro, a Unesp-Franca liberou o documento.

Nós conversamos com Carlos Manoel ontem e hoje. Ele só nos concedeu a entrevista por achar que a matéria pode ajudar os estudantes a divulgar o caso. O tempo inteiro fez questão de frisar: “Estas opiniões são pessoais”.



Viomundo – Como soube que era um dos 31?
Carlos Manoel Jr. – Pelo Facebook. Alguém, não sei quem é, postou a lista com os nomes de todos os sindicados. Mas eu ainda nem fui citado oficialmente.

Viomundo – Como assim?!
Carlos Manoel Jr. – A diretoria esperou a última semana de aula, quando tem pouca gente, para comunicar a sindicância. Um funcionário saiu caçando os alunos em salas, corredores, centro de convivência… O pessoal assinou sem saber o que exatamente estava assinando. Como eu cursava o último ano de História, as minhas aulas já tinham terminado, ele não me achou.

Eu cheguei a ir atrás dele para assinar (risos), mas ele estava em curso, segundo informação que me foi dada.

Daí que até hoje não assinei nada nem fui citado oficialmente. Isso só deve ocorrer no reinício das aulas, pois agora tudo para. É horrível, pois fica essa pressão nas férias.

Viomundo – Eu li que dois dos 31 estudantes processados nem estavam presentes na palestra. E você?
Carlos Manoel Jr. – Embora apoiasse, eu nem fazia parte da Frente Única, que aglutinou vários movimentos, partidos e independentes contra essas palestras.

Como o auditório da Unesp-Franca é pequeno, coube, claro, pouca gente lá dentro. Eu subi um pouco antes do pessoal do ato e consegui furar o cerco e sentar. Quando eu sentei uma garota veio até mim e um amigo que me acompanhava e nos chamou de criminosos e bandidos. Quando levantei para sair, essa menina, que tem problemas pessoais com minha namorada e tem participação efetiva na denúncia desta sindicância, continuou nos ofendendo.

Hoje, tenho plena consciência de que ela estava fazendo cena. Foi de caso pensado. Foi uma tentativa de mascarar um evento político, fazendo-o passar por acadêmico.

Viomundo – Quem é a menina?
Carlos Manoel Jr. – Uma aluna que faz parte do Civi, o grupo que promoveu as palestras e cujo diretor está nos processando. Provavelmente, como mostra o processo, fui denunciado, e para atestar a minha presença sou visto em um vídeo qualquer, no qual ambos os lados estão alterados.

Viomundo – O que levou vocês a protestarem contra as palestras do “príncipe” e seu apoiador Sepúlveda?
Carlos Manoel Jr. – Não posso responder como porta-voz de um grupo que sequer existe, respondo aqui como um dos sindicados. A meu ver, o histórico de discursos e posturas antidemocráticas dos palestrantes gerou descontentamento geral nos estudantes. O protesto foi somente uma reação à provocação da ala conservadora da universidade. Tanto que, em nenhum outro evento promovido pelo Civi houve qualquer tipo de manifestação. Porém, você transforma seu evento em palanque político, como fez o Civi, abrem-se margens para ações pragmáticas, não é mesmo?

Viomundo – O que exatamente aconteceu no dia?
Carlos Manoel Jr. – Normalmente, na Unesp-Franca, as palestras são abertas ao público. Nós ficamos sabendo dessas com alguns meses de antecedência. A informação de quem eram os palestrantes já alertou a comunidade acadêmica, principalmente os professores. Inclusive, com antecedência, alguns mandaram cartas à diretoria pedindo o cancelamento do evento.

Pois bem, no dia da palestra, seguindo uma resolução, encaminhada via Facebook, de uma frente única heterogênea, que reunia vários movimentos, partidos e independentes, ocorreu um ato-debate. O objetivo era debater o prejuízo de a Unesp-Franca receber um palestrante ligado a órgãos repressores que se aliaram à ditadura, além de outras arbitrariedades contidas na vinda deste senhor e de seu apoiador, o jornalista José Carlos Sepúlveda, ligado a esses mesmos órgãos.

Foi feita uma votação rápida e decidido democraticamente que as pessoas envolvidas no ato-debate subiriam para proferir palavras de ordem e demonstrar apoio a todos os movimentos sociais rechaçados pelos palestrantes.

Os cartazes pertencentes aos grupos do movimento estudantil foram arrancados e os manifestantes, por alguns minutos, impedidos de entrar no salão do evento. Eu havia subido logo no início com um amigo e consegui lugar para sentar. No momento em que levantei, eu e alguns outros alunos fomos agarrados por membros do Grupo Civi (Curso de iniciação a vida intelectual). Depois dessa recepção não muito calorosa, a confusão foi generalizada.

Viomundo – Quais as palavras de ordem?
Carlos Manoel Jr. – Apesar de haver uma Frente Única, que aglutinou vários movimentos, não houve consenso de ideias, nem a tentativa disso era uma pretensão dessa Frente.

O histórico de discurso de ódio e ultrarreacionáro dos palestrantes foi o suficiente para levar os mais de 300 manifestantes ao evento. Ou seja, cada manifestante falou o que bem entendeu. Uma das palavras de ordem mais ouvidas, em coro, foi REFORMA AGRÁRIA QUANDO? JÁ!

Tudo isso dito pelos manifestantes postados atrás dos ouvintes das palestras, deixando o caminho livre para os palestrantes chegar à mesa.

Enquanto isso, um homem identificado como assessor do “príncipe” se dirigia aos manifestantes, gritando VIVA O MENSALÃO!, apoiado pelos anfitriões do evento, ou seja, o Grupo Civi, da Unesp-Franca.

Viomundo – Como terminou o evento?
Carlos Manoel Jr. – O autoproclamado príncipe e sua comitiva desistiram das palestras. Já havia uma reserva do salão de uma universidade particular de Franca, eles foram então diretamente para lá. Isso só desmascara a estratégia do assessor do dito príncipe que era vitimizar a sua comitiva.

Gostaria de acrescentar que, após o tumulto, os manifestantes se mantiveram no local e os palestrantes foram até a mesa. Alguns minutos depois, em uma conversa rápida com o mediador das palestras, que é também professor da UNESP-Franca, disseram ser impossível continuar.

O mediador ainda tentou uma saída infeliz. Pediu para um porta-voz do grupo fazer nossas reivindicações. Só que era impossível achar um representante para um grupo tão heterogêneo. E, diante do desconforto geral, os palestrantes desistiram de continuar.

Gostaria de ressaltar também que se fixar na desistência ou não dos palestrantes é atropelar as conclusões. O fato a ser focado é que a presença do autoproclamado príncipe como palestrante, dentre outras coisas, fere o patrimônio científico e cultural da UNESP-Franca.

Viomundo – Por que a reitoria da Unesp se fixou nesses 31?
Carlos Manoel Jr. – Não foi a reitoria que indicou os nomes. Foi a diretoria da UNESP-Franca. Eu também gostaria de saber a resposta verdadeira para essa pergunta. Contudo, ao que parece — e consta no processo — foi a denúncia de um dos representantes do Grupo de estudos Civi. É bom relembrar que dois dos citados nem estavam no dia do evento.

Viomundo — Como está a situação de vocês?
Carlos Manoel Jr. – Estamos aguardando a citação oficial para depor, o que ocorrerá durante o período letivo. Os envolvidos que iriam se formar não puderam pegar o certificado de conclusão de curso durante a colação diante de seus familiares, somente participaram do ato solene. Há um grupo de advogados da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap) defendendo os sindicados.

Viomundo — O que está achando da atitude da diretoria da Unesp-Franca?
Carlos Manoel Jr. – Prefiro não me pronunciar sobre isso por enquanto. Só posso dizer que sou contra a sindicância. E, se ela for realmente inevitável, que seja feita da maneira mais transparente e imparcial possível e menos kafkiana.


Viomundo — O que farão agora para reverter a situação?
Carlos Manoel Jr. – Só nos resta esperar, não é? Acho que isso tudo é um reflexo de como os discentes ficam de mãos atadas em certos processos de seu próprio interesse. Porém, continuaremos divulgando esse ocorrido nos meios de comunicação e se reunindo para agir da melhor maneira possível.

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