Décadance avec élégance?, ou o vazio deixado pela oposição

Decadance avec elegance?

Wagner Iglecias no blog do Nassif

Um dos principais bastiões de crítica ao petismo, há 10 anos no poder, tem sido um grupo de senhores cinquentões, que surgiram na cena musical brasileira na década de 1980 através do chamado Rock Brasil: Lobão, Roger, Dinho Ouro Preto e outros. Há tempos eles vêm se manifestando, em diversos meios, com críticas ao governo. São discursos durante seus shows, tuítes, entrevistas etc. De todos o mais crítico e de maior visibilidade é Lobão. Autor de livro, o veterano roqueiro carioca tem sido festejado por setores de direita por ter sua mira quase sempre apontada para a esquerda, e em particular para o governo petista. Acaba de estrear como colunista de Veja, batendo duro no que identifica como setores chapa-branca. É pau puro pra cima de um monte de gente mais ou menos identificada como de esquerda. Algo parecido com o que fez há pouco Demétrio Magnoli em sua coluna de estréia na Folha de São Paulo, na qual bateu no PT do início ao fim. A impressão que fica, tanto num caso quanto no outro, é que tendo lido a coluna de estréia já lemos todas as demais que virão no futuro.

Outros roqueiros dos anos 80, como Tony Belloto, Léo Jaime e João Barone, também já criticaram o petismo em algumas oportunidades. Belloto chegou a ser colunista da mesma Veja, onde batia no petismo com certa freqüência. No geral faziam côro, em seus textos e tuítes, à grita da classe média anti-petista em temas como o mensalão. O mais recente membro a entrar para o clube foi Paulo Ricardo, o menino prodígio que revolucionou o show business brasileiro com o seu RPM, ali por volta de 1985. Segundo post desta segunda-feira, na página oficial do grupo no Facebook, Paulo teria dito o seguinte, em show realizado em 08/11/2013 em Piracicaba (SP): “O Brasil precisa entender uma coisa: ditadura é algo terrível, de que lado for. Não podemos viver uma ditadura de esquerda. Precisamos de um rodízio. O Brasil precisa urgentemente de alternância no poder”.


Por “ditadura de esquerda” entenda-se: um sistema político onde o Congresso Nacional legisla, o Judiciário julga, a imprensa (de direita ou de esquerda) é livre, os sindicatos atuam, há liberdade de fé religiosa, os direitos civis e sociais são consagrados em lei, há eleições livres a cada dois anos, existem 32 partidos políticos (e outros 90 na fila esperando oficialização), um mesmo partido (PT) foi eleito 3 vezes consecutivas para comandar o país e seu principal adversário (PSDB) foi eleito 5 vezes consecutivas para comandar o principal estado da federação. Eis a nossa ditadura, segundo Paulo Ricardo. Aliás, sobre os 20 anos do principal partido de oposição no comando do mais importante estado brasileiro, nenhuma palavra. O que não é exclusividade dele, mas de tanta gente que fala em alternância no poder, mas nunca cita o caso de São Paulo.

Muitas são as hipóteses para tentar entender essa guinada à direita daqueles que foram jovens rebeldes e progressistas trinta anos atrás. Há quem veja na origem social deles, todos ou quase todos bem-nascidos, a lógica de um percurso natural, da esquerda à direita, da rebeldia ao conservadorismo, à medida em que os anos se passaram. De garotos contestadores teriam se tornado vetustos senhores.

Uma segunda hipótese seria a de que essa geração, que cresceu durante a ditadura militar e pegou o finzinho da censura, tem e sempre terá o pé atrás com o governo, com qualquer governo.

Há ainda quem ache que nestes tempos de internet, de frivolidades, consumo e descarte quase imediatos, só mesmo dando declarações bombásticas e causando polêmicas, só mesmo apostando no marketing neocon, para se manter vivo nessa máquina de moer gente que é a mídia.

Uma quarta hipótese tem a ver com o fato de que, por serem roqueiros, e não outro tipo de músico, todos eles estariam submetidos a uma eterna camisa-de-força. Diferentemente de um velho sambista ou de um violeiro veterano, roqueiros precisam cultivar a juventude eterna. E a polêmica, que é o motor da juventude. Em recente entrevista ao The Guardian, Lou Reed, falecido há pouco, disse que para manter a energia criativa se masturbava diariamente, aos 70 anos de idade. Pode até ser verdade. Ou pode ser sarcasmo. O que não é comum é um homem de 70 anos dizer isso numa entrevista. A não ser que ele seja um roqueiro.

Mas voltando aos roqueiros brazucas dos anos 80, quem sabe a proeminência deles no debate sobre o país nos mostre duas coisas: a quantas anda o debate sobre o país e o quanto eles só estão aí, botando seus narizes de palhaço nos shows, como Dinho, ou detonando qualquer coisa que identifiquem como esquerda, como Lobão, porque falte à direita brasileira, a seus partidos e a seus intelectuais, a capacidade de produzir ideias alternativas ao projeto que governa o país hoje.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor do Curso de Graduação em Gestão de Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP.

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